Narrativas do Lajopa 

Laércio José Pacola - 2011

SUMÁRIO

1. PREFÁCIO

2. A PREGUIÇA REVOLUCIONÁRIA

3. O QUE VAMOS FAZER AGORA?

4. O BEZERRO E A FORMIGA

5. AS CHIFRUDAS

6. O LOBO TEIMOSO

7. O GATO QUE SALVOU A MINHA VIDA

8. O PORCÃ

9. PAULADA OU RABADA

10. ARGOLA SALVADORA

11. O BEZERRO E A MULA

12. SUSTO CURA

13. O CACHORRO VINAGRE E O COELHO NAPOLEÃO

14. A COBRA SUCURI HIPNOTIZA?

15. O CAMPEIRO, A VACA E O BODE

16. PINGA, PESCA E FUTEBOL

17. A NOVILHA FUJONA

18. OBSERVADOR DE MACACOS

19. O CAVALO NA FOSSA

20. AVALIAÇÃO FULMINANTE DE UM TOURO

21. O GARROTE POLÍTICO

22. O URUTAU

23. PESQUISA CATASTRÓFICA

24. PENSÃO ASSOMBRADA

25. CUIDADO QUE O BARBUDO TE PEGA

26. A MACARRONADA

27. O HOMEM QUE COMIA COBRAS

28. ACIDENTES OFÍDICOS

29. A ONÇA DE DUAS PERNAS

30. UMA VISITA FELIZ

31. CAPIM PARA DOIS

32. O BATIZADO E OS VEXAMES

33. RAQUEL E O BERÇÁRIO FECHADO

34. ABRAÇO DE TAMANDUÁ

35. O DOM NÃO SE APRENDE NA ESCOLA

36. O HOMEM DA CAPA PRETA

37. DOURADOS

38. LAJOPA FALECIDO?

39. O TOMATINHO

40. VACA ALONGADA

41. CREDICES, SIMPATIAS E BENZEDURAS

42. NA LUA CHEIA NASCE MAIS BEZERROS?

43. A VOCAÇÃO DO LAJOPA

44. PADRE ASSASSINADO

45. A SUCURI E O FUSCA

46. INVASÃO DE GUERRILHEIROS

47. LAJOPA TUPAMARO?

48. URUBUS MORTOS

49. SÓ "PARA INGLES VER"

50. LAJOPA NO EXÉRCITO

51. O BEZERRO SALTADOR

52. BUFALINHO SEM SORTE

53. BUFALINHO AFOGADO

54. TOURO ATOLADO

55. ARREMATE DE TOURO

56. VACA AZARADA

57. ROUBO DE GARROTE

58. GUARÁ NO LAÇO

59. TRAIRÃO

60. BOLA FURADA

61. ACIDENTE

62. AFOGAMENTO

63. FAZENDA EXPERIMENTAL DE CRIAÇÃO ( FE C )

  

  A PREGUIÇA REVOLUCIONÁRIA

Quando estava no último ano da Faculdade de Veterinária fui surpreendido por uma convocação do Exército Brasileiro. Eu deveria cumprir o meu tempo de serviço obrigatório em uma Unidade de Cavalaria, no interior do Estado de São Paulo.

Após a formatura me apresentei na Unidade designada, para receber as instruções militares básicas e iniciar a prestação de serviço como Médico Veterinário. Como tinha formação universitária recebi, automaticamente, a patente de tenente-veterinário. O Quartel mantinha uma tropa de 280 cavalos para treinamento dos soldados, uma granja de produção de frangos, suínos e hortaliças. No seu jardim havia um minizoológico com pássaros e macacos.

Um bicho-preguiça doente e muito debilitado foi levado ao Quartel para que eu tentasse salvá-lo. Um tratamento emergencial foi feito e oferecemos uma grande variedade de alimentos, mas o preguiça relutava em não comer. Após algumas tentativas para se achar um alimento natural, verificamos que começou a ingerir folhas de uma árvore chamada de banana-de-macaco.

Não estando em seu hábitat natural ficou muito estressado com todo aquele movimento do Quartel e veio a morrer. Como se tratava de um animal relativamente raro, resolvi embalsamá-lo fixando-o em um pedaço de galho seco. A preguiça ficou perfeita e o Comandante mandou que a colocasse na sala de troféus.

A preguiça passou a ser considerada um símbolo da indolência entre os militares. A cada mês ela era conferida ao militar mais preguiçoso. Diante de toda a tropa perfilada a preguiça embalsamada era entregue solenemente. Todos tinham medo de recebê-la, era uma vergonha humilhante. Após uma avaliação dos oficiais superiores a pessoa eleita poderia ser um sargento, cabo ou soldado. Não preciso dizer que esta última era a sempre escolhida, pois a corda sempre arrebenta no lado mais fraco.

Com esta atitude o Quartel funcionava como um relógio. Todos procuravam fazer as suas obrigações da melhor forma possível. Os soldados estavam sempre prontos em obedecer às ordens e impecavelmente fardados. A Unidade passou a ser considerada um exemplo de organização. Todos respeitavam a preguiça. A hierarquia, princípio fundamental do Exército, foi mantida sem o uso do poder autoritário.

No Brasil existem várias espécies de bicho-preguiça: preguiça-de-coleira, preguiça-comum, preguiça-de-bentinho. É um animal solitário, de atividade noturna, dorme a metade do dia e desce das árvores para defecar e urinar uma vez por semana.

Pelo comportamento dos soldados depreende-se que o animal preguiça contribuiu de alguma forma para implementar um melhor dinamismo na tropa. Aqui fica uma idéia a ser implantada no Congresso Nacional.

O QUE VAMOS FAZER AGORA?

Entre as décadas de 1940 e 1950 ainda existiam, no Estado de São Paulo, grandes áreas de campo-cerrado. Naquela época o homem não se preocupava em preservar o meio ambiente. Os campos não eram utilizados pela agricultura, devido à baixa fertilidade do solo. Este bioma abrigava uma abundante fauna. Dentre os animais, habitualmente, encontrados tínhamos o veado-campeiro, lobo-guará, emas e tatus.

Três descendentes de imigrantes italianos tinham por hobby caçar nos fins de semana. Eles possuíam espingardas de pequeno calibre. As utilizavam no abate restrito de pequenas aves para o consumo. A caça era praticada respeitosamente. Viviam intensamente as emoções ensejadas por este esporte. As peripécias que desfrutavam no campo eram motivo de comentários por toda a semana. Dois cachorros perdigueiros estavam sempre prontos. Ao perceberem os preparativos ficavam alegres.

As caçadas eram realizadas sempre no mesmo campo, próximo à cidade e aos domingos. Em uma capoeira morava um veado-campeiro que proporcionava aos caçadores e cachorros muitas emoções. O veado era muito esperto, conhecia o mato metro a metro e sempre fugia quando perseguido. Estes animais, ao serem perseguidos, caminham por lugares alagados para não deixar pistas do seu cheiro. Os caçadores durante muitos anos se divertiram com ele. Cada domingo era uma aventura diferente.

Os anos foram passando e todos ficaram mais velhos, os caçadores, cachorros e o veado. Em uma das caçadas o animal distraído, ao ser rastreado pelos cães, errou a trilha de fuga e passou à frente de um dos caçadores. Este assustado, nunca havia vivido aquela situação, disparou um tiro. O veado caiu morto. Todos correram para o local. Diante da caça morta estabeleceu-se um silêncio. O prazer daqueles homens havia terminado. Foi uma burrada imperdoável. Destruíram a diversão predileta. Tristes, disseram. O que vamos fazer agora? É o caso daquela pessoa que tem por passatempo cuidar do seu jardim e resolve acabar com ele.

O homem está destruindo a natureza sem pensar no futuro da humanidade. A vida moderna está cada vez mais urbanizada. A cada dia os espaços rurais naturais estão dando lugar à agricultura. Como conseqüência as mudanças climáticas são evidentes em comparação com as do século passado. Estas alterações do tempo podem-se tornar irreversíveis.

O que devemos fazer agora? Todos sabemos, mas pouca coisa realizamos para evitar uma catástrofe. Não podemos esperar que o governo resolva o problema. Cada pessoa deve, no cotidiano, fazer alguma coisa, por menor que seja em benefício da preservação da natureza. No dia a dia podemos reciclar o lixo, não usar o fogo para limpeza, economizar água, evitar o uso de combustíveis fósseis e fazer uma agricultura orgânica. O planeta poderá ser salvo através da somatória dos milhões de pequenas atitudes.

Pela história observa-se que houve uma inadvertência praticada pelos caçadores. Isto permite comparar com o que vem acontecendo hoje. A morte do veado se repete hoje sob diferentes formas. Será que vamos cometer o mesmo erro dos caçadores. Não podemos, em hipótese alguma, repetir a pergunta: O que vamos fazer agora?

O BEZERRO E A FORMIGA

Um bezerro da raça Nelore havia desaparecido de um lote de vacas paridas. Todos os campeiros saíram à sua procura. As buscas intensificaram-se por cinco dias, por toda a fazenda. A única hipótese viável era a de roubo. Não havia qualquer vestígio de morte.

No sexto dia, após o seu desaparecimento, chegou um campeiro dizendo haver encontrado o animal.

Ele se encontrava no interior de um grande buraco de formiga saúva. O formigueiro estava desativado ou extinto. Apresentava um pequeno buraco de mais ou menos 30 centímetros de diâmetro e um metro de profundidade, formando uma pequena sala em baixo da terra.

O bezerro escorregou pelo buraco e lá dentro ficou em perfeitas condições físicas, permanecendo vivo por seis dias. Ele estava muito sujo de lama, pois havia chovido.

O campeiro o localizou porque a mãe estava de guarda, perto do buraco e afastada do lote. Somente a vaca sabia do paradeiro do filho. Ele foi retirado do buraco com auxílio de uma corda.

Uma vez resgatado saiu em disparada em direção ao lote das vacas. Seu aspecto assustou as outras vacas, pois de branco ficou avermelhado pela terra. Sua mãe, porém, o reconheceu, protegendo-o dos outros animais. O bezerro mamou e após alguns minutos estava incorporado ao rebanho.

Pela atitude da mãe percebe-se que ocorreu a identificação e a proteção da cria. Isto caracteriza uma das qualidades inatas do gado zebu. Desta forma pode-se deduzir sobre a importância da preservação deste comportamento nas criações extensivas, através dos programas de melhoramento genético.

AS CHIFRUDAS

Um campeiro (pessoa encarregada de cuidar do gado) veio me comunicar um acontecimento inédito. Ele estava atônito duas vacas haviam morrido, de forma trágica.

As vacas mortas estavam próximas a um brejo, de difícil acesso. Não podia acreditar no que estava vendo, duas vacas enroscadas pelos chifres. Elas eram da raça Guzerá, que apresenta como característica racial enormes chifres, em forma de lira. Nos animais mais erados (velhos) as pontas dos chifres vão se voltando para trás.

Elas deveriam estar "brigando", os chifres se entrelaçaram, com os esforços para se livrarem caíram. Com a queda, os pesos delas, as tentativas desordenadas e o afobamento, fraturaram os pescoços e morreram. Não tinha mais nada a ser feito, mandei arrastá-las, com auxílio de trator, para serem enterradas.

Ao ver a beleza dos chifres, tive a idéia de mandar cortar as cabeças, para que pudesse guardá-las de lembranças, depois de descarnadas. Para tanto foram colocadas na água corrente de um córrego, por mais ou menos um mês. A água amolece os tecidos (partes moles) e os peixes auxiliam na limpeza dos ossos.

Após preparadas foram parafusadas em suportes de madeira, para serem colocadas nas paredes como ornamento. Uma das cabeças, da vaca chamada Melancia, encontra-se na varanda da minha casa. A outra, da vaca Queiroga, está com meu irmão, em sua chácara.

Pela forma e tamanho dos chifres, verifica-se que foram as causas das mortes e isto sugere que a prática do amochamento (retirada dos chifres) pode ser relevante na criação desta raça.

As "cabeças" quando unidas harmoniosamente são desejáveis, mas quando desordenadas é uma lástima, esta conclusão vale para uma boa convivência entre as pessoas.

O LOBO TEIMOSO

Um lobo-guará vinha, toda noite, pegar galinhas nos quintais da colônia de uma fazenda. As pessoas já estavam desanimados, as aves desaparecendo e já estavam faltando ovos e frangos. Alguma coisa tinha que ser feita.

Um chiqueirinho (gaiola) foi construído e no seu interior foi colocada uma galinha para atrair o lobo. A armadilha foi levada em local por onde o lobo passava. Em cima de uma árvore, próxima ao chiqueirinho, o caçador fez um estaleiro (jirau).

Uma noite escutou um barulho de galhos secos quebrando. O guará faminto procurava uma forma de pegar a galinha. Ela estava desesperada e se debatia no interior da gaiola. Sem fazer barulho o caçador deu um tiro, acertando a cabeça do lobo, ele deu pulo e caiu morto.

O animal foi levado até a colônia e colocado em cima de um balaio, parecia estar vivo. A notícia se espalhou rapidamente. O meu filho André foi ver o guará. O couro foi cuidadosamente tirado e curtido com os pelos. Deu um lindo tapete. Muita gente pegou pequenos pedaços do couro. Segundo a crença o couro, os olhos de lobo-guará protegem as pessoas de eventuais perigos.

Hoje o abate de qualquer animal silvestre é considerado um crime inafiançável, com prisão do autor. Na época, do ocorrido, havia muitos lobos-guará e estes, eventualmente, comiam as galinhas dos colonos.

Segundo MOTTA , professor de ecologia da USP, através de estudos de campo, considera que as aves domésticas representam somente 0,1 a 1,9 % da dieta do lobo-guará. Para cada galinha o lobo consome de 50 a 70 ratos, além de frutas (lobeira, gabiroba, marolo, coquinho,etc.), sendo um dispersor de sementes. As impressões errôneas da população sobre o animal contribuem para a sua extinção.

O GATO QUE SALVOU A MINHA VIDA

Antes de iniciarmos a narrativa algumas considerações sobre o gato-caseiro são indispensáveis para que possamos entender o comportamento desta espécie animal. Eles evidenciam seu atavismo (instinto) nos seguintes comportamentos: gosta da liberdade, independência, individualidade, autonomia, desobediente, prudência, marca o seu território com urina, na reprodução emite gritos lancinantes, caça ratos e serpentes por esporte. As pessoas que não entendem o seu modo de ser julgam-no falso, hipócrita, ladrão, infiel e imprevisível.

A história que vou narrar é verdadeira. Nos morávamos na Fazenda Experimental, em Sertãozinho, SP. Uma gata rajada de orelhas bem pequenas, vivia na fazenda como se fosse selvagem, aparecendo em casa eventualmente. Ela vinha caçar ratos, durante a noite, no paiol. .Como tínhamos interesse em sua presença, deixávamos restos de comida e leite para ela.

Após muito tempo conseguimos, gradativamente, conquistar a sua amizade. A minha mulher começou a chamá-la de Chana. Ela era muito fértil e criava os gatinhos com muita habilidade. Um vez deu cria dentro da gaveta do guarda-roupa. Nesta ninhada havia um gatinho especial, era muito grande, idêntico à mãe e resolvemos adotá-lo. O nome que veio de imediato foi de Gatão, devido ao seu tamanho. A sua mãe o ensinou a caçar e a se defender de perigos de uma vida selvagem.

A Chana desapareceu, sem mais nem menos, ela era bem velha. O Gatão era um verdadeiro guardião da casa, rosnava para pessoas estranhas. Caçava e sempre trazia sua preza, colocando-a no tapete da porta de entrada, provavelmente era um presente para nós. Emitia diferentes sons expressando prazer, desprezo, medo e ameaça.

Um dia ao chegar para almoçar o Gatão pulou em minha frente, antes que eu entrasse na varanda. Ficou todo arrepiado e em posição de defesa. Parei imediatamente, não entendendo aquela atitude. Ao dar volta em uma jardineira, que havia na varanda, vi uma cobra enrolada, pronta para dar o bote.

O susto foi grande, o coração disparou, tratava-se de uma cascavel criada. Ele havia me salvo de uma picada que poderia ser fatal. Eu estava sozinho, não havia ninguém em casa e o socorro mais próximo ficava longe.

A partir deste fato, sempre que podia, demonstrava a minha gratidão ao Gatão, através de carinho e uma boa alimentação.

Os animais domésticos desenvolvem seu afeto pelo dono logo após o nascimento, sendo permanente e vai aumentando quando bem tratados. Pela postura do gato diante da cobra, nota-se que houve uma forma de comunicação, e isto mostra a importância do relacionamento com os animais.

O PORCÃO

Um suinocultor resolveu acabar com a sua criação. Para tanto um leilão foi organizado para vender todos os animais. No dia marcado os animais foram arrematados rapidamente. Somente um porco não foi vendido que passaremos a chamá-lo de Porcão. Ele era muito grande, com cerca de 150 Kg, agressivo, tornando-se perigoso devido aos enormes dentes caninos.

E agora o que fazer com o Porcão? A idéia mais razoável foi a de abater o animal com aproveitamento da carne. Eu me interessei em comprá-lo e fiz uma sociedade com um funcionário da fazenda. Para o abate ele deveria ser imobilizado. Neste momento ele investiu ferozmente sobre as pessoas e conseguiu fugir da pocilga. Ele se embrenhou no mato, uma reserva florestal de 300 alqueires.

Um caçador, morador da fazenda, foi solicitado para caçá-lo. Armado de uma espingarda seguiu os rastos e chegou perto do animal. O Porcão ficou furioso na presença do caçador. Um tiro errado poderia ser perigoso, podendo ser atacado pelo animal. Voltou desanimado e envergonhado com o fracasso e disse que seria muito difícil tirá-lo do mato.

O Porcão ficava pastando nas bordas do mato e quando percebia a presença de pessoas se escondia. Outro caçador ficou frente-a-frente com o porco e com muito medo atirou. O tiro pegou de raspão no traseiro e os dois saíram correndo, um para cada lado. O animal nem sentiu o tiro, os suínos possuem além do couro uma espessa camada de toucinho.

Alguns dias se passaram e foram observados vestígios do porco na pocilga, onde foi criado. Os suínos possuem um faro muito apurado. Outra estratégia foi arquitetada, para tanto se resolveu alimentá-lo (cevar). Com muita paciência a ração foi colocada cada vez mais próxima da pocilga. O Porcão, após um mês, nas madrugadas, começou a entrar na baia para comer. Com uma corda, bem comprida, amarrada no portão do chiqueiro, foi possível prendê-lo. O animal estava finalmente preso.

O abate foi realizado com todo respeito e sem sofrimentos. Como foi combinado ficamos com a metade. Foi uma movimentação geral, reservamos um pernil enorme, com a carne restante e o toucinho fizemos linguiça.

Pelos fatos ocorridos observou-se um animal feroz, e isto mostra que diante do perigo houve uma manifestação do instinto, que sempre prevalece no sentido da preservação da espécie.

PAULADA OU RABADA

Um dos maiores predadores de ovos, pintainhos de galinhas e angolas são os lagartos teiús. Quando o sol esquenta, por volta do meio dia, os teiús atacam as criações de galinhas caipiras que ficam soltas, botando os ovos em diferentes lugares.

O fato a ser narrado ocorreu na Fazenda Experimental, Sertãozinho, SP. Com o silêncio do horário do almoço, os teiús se acercavam das casas à procura de ovos. Um cãozinho muito ativo e inteligente ficava de alerta para correr atrás destes lagartões. Estes, rapidamente, pegavam os ovos e se escondiam nos buracos.

Um dia o teiú se escondeu em uma moita e o cãozinho ficou latindo desesperadamente. Dois empregados que estavam descansando, no horário do almoço, desconfiaram que o lagarto estava acuado pelo cão. Imediatamente se armaram de paus e foram para o local, na tentativa de matar o teiú. A carne deste réptil é muito apreciada pelos colonos, podendo ter, em média, uns três quilos.

Com a chegada dos homens o teiú ficou assustado e saiu do esconderijo. O cão saiu correndo atrás. Uma violenta paulada foi desferida por um dos homens, o cão parou de latir, silêncio total. Ao observarem encontraram o cãozinho caído com a cabeça machucada. Após o ocorrido os dois funcionários, apavorados, foram correndo à procura de socorro. Ele havia recebido um violento trauma na cabeça e estava inconsciente, em estado convulsivo.

O ferimento era gravíssimo, o veterinário (Lajopa) utilizou todos os recursos disponíveis. Ele em coma não resistiu ao traumatismo craniano e veio a morrer. Os colonos, com muito receio do ocorrido, falaram que o teiú era muito grande e havia desferido uma rabada, atingindo a cabeça do cão. Este fato, no momento, não foi descartado. Os teiús quando acuados utilizam a cauda como defesa.

A notícia, lamentável, foi levada à família dona do cãozinho e um grande pesar se abateu.

Os empregados não disseram a ninguém que haviam desferido uma paulada. Ficou uma dúvida: "paulada ou rabada". Com o passar dos anos eles já aposentados, sem perigo de sofrerem represálias, contaram a verdade. A paulada atingiu a cabeça do cachorrinho, o lagarto foi mais rápido, safando-se do golpe.

Pelo modo pela qual ocorreu a morte do cão, depreende-se que houve uma imperícia por parte das pessoas, mostrando a importância de evitarem-se as atitudes precipitadas.

ARGOLA SALVADORA

Uma mulher moradora em uma fazenda, com problemas depressivos, tentou o suicídio ao pular em um açude. Ela foi salva de modo muito curioso. O fato chamou a atenção de muitas pessoas.

Um campeiro, pessoa muito calma, montado em sua mula, passava pelo local no momento. Ao ver a mulher se debatendo e afundando na água, tentou salvá-la. Pegou o laço que sempre carregava arremessando-o em direção à mulher.

A pobre senhora já estava somente com as mãos na superfície da água. No primeiro lançamento, por uma grande sorte, o laço caiu aberto sobre as mãos da mulher. Por incrível que pareça o campeiro, montado em sua mula, foi puxando o laço.

Agora somente os dedos da mulher estavam aparecendo. A argola do laço, de metal, com aproximadamente seis centímetros de diâmetro enroscou no dedinho mínimo da mulher. A mula foi puxando e o laço ficou estirado. A mulher era muito gorda, mais de cem quilos, a mula caminhava fazendo força. O corpo da mulher começou a aparecer. As pessoas que estavam próximas entraram na água e socorreram a vítima. O dedinho estava fortemente cerrado na argola do laço, suportando todo seu peso.

Esta história incrível vem comprovar que até um dedinho pode salvar uma pessoa, seguramente com ajuda Divina.

O BEZERRO E A MULA

Todas as pessoas que trabalham no campo, na lida de bovinos das raças indianas, sabem que estes animais raramente segregam. E quando o fazem alguma coisa de grave pode estar acontecendo. Eles procuram, naturalmente, conviver dentro de uma mesma etnia. Desta forma ficam sempre juntos.

No manejo rotineiro os lotes de vacas com bezerros ao pé são transferidos, regularmente, de pasto para um melhor aproveitamento das forrageiras. Por ocasião de um destes rodízios um bezerro, da raça Nelore, com cerca de três meses de idade, ficou no pasto, não acompanhando a sua mãe.

No momento não foi notada a sua falta. Com o passar dos dias a mãe acabou secando o leite e o bezerro foi dado como morto. O atestado de óbito foi feito pelo Veterinário e dada a baixa no registro patrimonial.

O bezerro, vendo-se sozinho, atravessou a cerca e foi para um pasto contíguo, na tentativa de achar a sua mãe. Neste pasto, pouco inspecionado pelos campeiros, havia um lote de cavalos e mulas, de descarte, não utilizados na lida rotineira.

O bezerro deve ter se aproximado dos eqüídeos que, provavelmente, o repeliram em um primeiro momento. Uma mula, ao que tudo indica, compadeceu-se do bezerro, adotando-o como filho. Após alguns meses os animais foram trazidos ao curral para vermifugação. Qual não foi a surpresa, o bezerro que havia sumido estava junto à mula e "mamando".

Uma pergunta: A mula tinha leite? Como sabemos a mula é um híbrido, proveniente do cruzamento entre jumento com égua e raramente dão cria. A mula poderia estar produzindo alguma secreção pela glândula mamária que estimulada pela sucção do bezerro começou a produzir "leite".

Os produtos do cruzamento entre jumentos com égua, dão os chamados muares (mulas ou burros). Quando o cruzamento é entre garanhão (cavalo) com jumenta, nascem os bardotos.

Os muares são híbridos inférteis, embora tenham os aparelhos sexuais ativos. Na literatura são descritos alguns casos de mulas férteis, burlando as leis da natureza. O bezerro criado e não gerado pela mula foi desmamado aos sete meses e recriado com seus irmãos.

SUSTO CURA

Em uma fazenda de criação morava um funcionário, extremamente simplório. Se não faltasse nada, era ainda uma criatura muito feia, não tinha pescoço, bastante forte, andava balançando os braços e era descendente de cafuzos. A sua pele era tão espessa que ao tomar injeção a agulha entortava.

Um cavalo, animal muito velho, que havia trabalhado a vida toda, na lida do gado, estava aposentado. Permanecia deitado e não queria levantar de jeito nenhum.

Como era muito respeitado pelos campeiros, pois sempre fora bom de lida, resolveu-se deixá-lo entregue à sua própria sorte no mesmo local. Fizemos uma pequena cobertura de capim e ali ele tinha à sua disposição água e comida que nem provava. O diagnóstico era extremamente reservado.

Após três dias, estando o cavalo já em pré-coma, aconteceu um fato extraordinário à luz da Veterinária.

Um sábado o colono a que nos referimos, como era de seu hábito foi pescar. Na volta resolveu fazer outro caminho, passando exatamente onde estava o cavalo deitado. O homem vinha com todos os apetrechos de pesca, capa preta, chapéu, vara na mão, sacola, guarda-chuva, facão, ficando mais feio ainda. Quando se aproximou do cavalo, este levou um susto tão grande que saiu correndo, pulou uma cerca e foi parar na cocheira.

No dia seguinte qual não foi a nossa surpresa ao ver o cavalo junto com os outros animais todo feliz da vida. Após um ano veio a morrer passando o resto de sua aposentadoria com uma boa qualidade de vida.

Um animal diante de uma emergência tem um aumento impressionante de adrenalina no sangue. Este hormônio produz uma dilatação dos vasos da musculatura esquelética, aumenta a força de contração e os batimentos do coração e promove uma dilatação dos bronquíolos com aumento da freqüência respiratória. O cavalo diante do susto optou em fugir em vez de enfrentar a figura aterrorizante, "enfrentar ou fugir".

O CACHORRO VINAGRE E O COELHO NAPOLEÃO

Um filhote macho, recém nascido, de cachorro do mato (conhecido por vinagre, devido ao cheiro forte de sua urina), foi encontrado. Ele estava muito debilitado, provavelmente não conseguiu acompanhar a sua mãe.

Com muita paciência começamos a alimentá-lo. Uma xuquinha de bebê foi improvisada. O leite de vaca era dado várias vezes ao dia. O vinagre foi crescendo e sendo, na medida do possível, "domesticado".

Ele apresentava de forma inesperada instintos selvagens. Não fazia festa como os cachorros na presença do dono. No quintal da casa ficava sempre amarrado em uma corrente, presa em um arame de 20 metros de comprimento. Desta forma podia correr de um lado para outro. Tinha uma casinha, onde ficava dormindo, principalmente nas horas de sol mais quente. O seu pelo era oleoso e não suportava ficar no sol, mesmo porque a claridade o incomodava.

Esta espécie de animal tem hábitos noturnos. Quando solto procurava entrar em buracos de tatu. Urinava nas pernas das pessoas que imediatamente tinham que tomar banho, o cheiro era insuportável. Ele não comia imediatamente os pedaços de carne, enterrava para comer posteriormente, já em estado de decomposição. Os ovos de galinha oferecidos eram cuidadosamente quebrados e através de um pequeno orifício lambia, deixando a casca intacta.

Era extremamente habilidoso em caçar e comer gafanhotos, baratas, borboletas, ratos, lagartos, etc. Ao levar comida havia a necessidade de distraí-lo para que não urinasse nas pernas.

Um coelho criado em um viveiro foi atacado pelo vinagre. Um dia ao abrir a porta do viveiro ele saltou e matou o coelho.

Aproveitando-se de um descuido ele fugiu, o portão estava aberto. Foi procurado pelas redondezas, assobiando da forma como foi treinado. Já tinha-se dado como perdido, pois em uma fazenda de mil alqueires seria muito difícil achá-lo. Qual não foi a surpresa quando, ao abrir o portão de casa, o vinagre apareceu de forma muito discreta.

A domesticação total do vinagre não foi possível. Algumas soluções foram sugeridas: O vinagre deveria ser levado e solto em seu habitat, doá-lo à Faculdade de Veterinária para estudos. Tentar tirar filhotes para tanto era necessário uma fêmea.

Após um ano ele desapareceu, com a coleira. O que poderia ter acontecido? : Fugiu para a mata? Foi roubado? Foi levado pelos protetores dos animais?

O cachorro vinagre em questão, apesar de ser domesticável, foi simplesmente criado em cativeiro. A domesticação é um processo evolutivo, muito trabalhoso, requer muito tempo e implica em uma adaptação genética ao convívio com o homem.

Os animais selvagens quando criados em cativeiro podem se desenvolver normalmente e com algumas vantagens sobre os que vivem na natureza. Pode-se amenizar alguns efeitos negativos como: adversidades relativas ao clima, dificuldade em encontrar alimentos e ataque de predadores.

A COBRA SUCURI HIPNOTIZA?

Até hoje muitas pessoas acreditam que as cobras hipnotizam as suas prezas. Um sitiante para justificar a sua crença de que as cobras hipnotizam inventou a seguinte história.

------- A nossa família estava reunida, como era de costume, para o abate de um porco. Todos ajudavam no preparo da carne, toucinho e lingüiça. A nossa irmã ficou encarregada de limpar a barrigada. Esta operação era feita em água corrente, geralmente em um córrego.

Passado um bom tempo ela não chegava, estava demorando. Fui ver o que estava acontecendo. Quando cheguei perto do local vi que ela estava agachada e imóvel. Uma grande sucuri a estava hipnotizando.

Com a minha chegada a cobra entrou no brejo. A minha irmã saiu correndo, sem saber o que havia acontecido. Era uma enorme sucuri, mais de sete metros e trinta centímetros de diâmetro. Eu a salvei da morte, ela estava sendo hipnotizada pela sucuri e não pressentiu o perigo.

Ninguém queria acreditar na história e muito menos no tamanho da cobra. Fui alvo de pilhéria e passei por mentiroso.

O sitiante preocupado com o apelido de mentiroso inventou uma segunda história, para provar a veracidade da primeira.

------ Eu estava trabalhando na roça quando escutei uma galinha cacarejando de forma anormal. Fui verificar o que estava acontecendo. Uma sucuri muito grande estava engolindo uma galinha. A cobra era tão grande que enrolada a sua cabeça ficava a um metro de altura. Fui correndo chamar as pessoas que me chamavam de mentiroso.

A sucuri foi morta com um tiro na cabeça. Ela foi puxada com uma corda por seis pessoas. Foi amarrada e esticada entre duas goiabeiras para que se pudesse tirar o seu couro. A sucuri durante a retirada do couro se contraia de forma violenta, arrebentando uma corda nova e quebrando uma das goiabeiras. O couro aberto e salgado foi colocado para secar, tinha na sua parte mais larga sessenta centímetros. A sucuri sem o couro foi arrastada para um pasto. Os cachorros mordiam a cobra e esta contraia a possante musculatura, lançando-os a mais de dez metros de distância.

Passei por mentiroso, após ter dito que a sucuri estava hipnotizando a minha irmã, tapei a boca das pessoas que foram ver a enorme cobra.

Em resumo para justificar a sua crença de que a sucuri hipnotiza inventou a história da sua irmã. Contou uma segunda mentira, a da morte da sucuri, para provar a veracidade da primeira, envolvendo testemunhas como outras pessoas.

Segundo o pesquisador BUCHERL, W. (1971), do Instituto Butantã, em seu livro "Acúleos que Matam", explica: Sabe-se de sobra que poucas cobras enxergam realmente bem a certa distância. Um objeto quieto, imóvel, é localizado pelo cheiro, mas não visto, a não ser quando se move. Assim a preza fica imóvel, como se estivesse hipnotizada, para tentar escapar da mordida da cobra.

As relações caçador-caça, um conhece o outro, ambos correm seus riscos calculados. Um espírito humano não avisado, não acostumado em observar estas relações, dificilmente acha explicação lógica e se refugia na crendice mais cômoda do poder hipnotizador das serpentes.

O CAMPEIRO, A VACA E O BODE

Esta narrativa é verdadeira e ocorreu em uma fazenda de criação de bovinos. Um campeiro, de nome Zico, muito competente no seu serviço, morava e trabalhava na lida de gado Nelore.

O dia a dia dos campeiros segue, normalmente, uma rotina: correr os pastos, observar a sanidade dos animais, contá-los, inspecionar as cercas, os bebedouros, os cochos de sal,etc. Em uma determinada época do ano, ocorrem os nascimentos dos bezerros.

Os campeiros, logo de manhã, têm como primeira tarefa a de "tirar os nascimento". No momento da retirada dos bezerros as vacas avançam sobre os campeiros, montados em seus cavalos treinados que rapidamente se afastam do perigo. Nesta operação todos os bezerros nascidos naquele dia, na maternidade, são separados da mãe para receberem os cuidados de praxe: curativo do umbigo, identificação através de um número, pesados e devolvidos às respectivas mães.

Este manejo é muito trabalhoso e perigoso, devido à agressividade das vacas que procuram defender seus bezerros. O carinho das mães é normal, muito embora, algumas se tornam extremamente perigosas. A devolução das crias, em alguns casos, é feita levando-as carregadas no colo, colocadas por baixo da cerca, no piquete das vacas paridas.

Uma vaca, chamada Floema, da raça Nelore, dócil quando sem bezerro, mas parida era muito perigosa. Ela protegia o seu bezerro de forma violenta. Em uma das suas parições, um campeiro ao devolver o bezerro à mãe aconteceu um acidente. A vaca foi de encontro à cerca arrebentando-a. No momento ele largou o bezerro no chão e saiu correndo. Por infelicidade a cria o acompanhou. Os animais recém nascidos, geralmente, acompanham qualquer vulto em movimento. A vaca furiosa foi de encontro ao campeiro. Uma violenta chifrada o atingiu por trás entre as nádegas e a coxa, pisoteando-o sobre o tórax. Ao escutarmos os gritos de socorro e o barulho, corremos em seu auxílio. A vaca havia "pegado" o seu bezerro e se afastou do local.

Ele foi levado imediatamente ao pronto-socorro, eu fiz questão de acompanhá-lo, pois verifiquei que as lesões eram graves. Após examinado pelo médico o caso foi encaminhado à ortopedia. Tratava-se de fraturas de fêmur e de duas costelas. Foi submetido a uma cirurgia, na tentativa de devolver ao campeiro a melhor movimentação possível de sua perna.

Após um ano de imobilização e fisioterapia, infelizmente, ele havia perdido os movimentos da perna. Uma nova cirurgia deveria ser feita, mas agora em São Paulo. Mais um ano de tratamento e ele, felizmente, voltou a andar mancando um pouco, a perna ficou mais curta. De campeiro foi trabalhar na selaria da fazenda, consertando arreios, laços, etc.

Como sempre gostou de animais resolveu criar cabras, no quintal de sua casa. Comprou uma cabrita e um bode, assim tinha cabritinhos para vender e mais o leite. Toda tarde ele cortava capim verdinho na beira do córrego e oferecia aos seus animais. Um dia quando ia saindo do quintal, o bode deu uma violenta cabeçada em seu traseiro. Mais uma vez tinha a sua perna fraturada, no mesmo lugar. Um ano de tratamento e desta vez foi aposentado por invalidez.

Com muito respeito ao campeiro e à sua família, não poderia deixar de narrar esta história triste, incrível pela coincidência dos fatos e falta de sorte.

PINGA, PESCA E FUTEBOL

O fato aconteceu em uma fazenda e descreve a vida de um trabalhador braçal, chamado Gonçalo. A sua família era numerosa, com a primeira mulher teve oito filhos, mais sete com a segunda, fora os seis enteados. Ele era uma pessoa de pouca prosa, fazia qualquer serviço que o capataz mandasse, com honestidade e presteza. Quando não tinha o que fazer ficava vagando pela fazenda, admirando a natureza e se transformava em um guardião das reservas florestais, nascentes de água, córregos e açudes. Adorava e protegia tudo aquilo de forma incondicional, atitude esta invejável e exemplar.

O Gonçalo tinha três paixões, a cachaça, a pesca e o futebol. Ele era sistemático no seu modo de viver e sabia conviver com seus problemas, se assim poderíamos dizer. A pinguinha era seu principal fraco, não podia viver sem tomar uma todo dia, após o trabalho e no fim de semana exagerava um pouco.

Toda tarde ia pescar, tinha um pesqueiro, onde tratava dos peixes e escondia o litro de pinga. Voltava para casa um pouco alto, mas sempre levava peixes, garantindo a mistura do dia seguinte. Ao chegar não molestava ninguém, tomava seu banho, jantava e ia dormir. Levantava bem cedo, tomava café e era o primeiro a chegar ao serviço, bem disposto.

No domingo não ia pescar, o futebol e a caninha tomavam todo seu tempo. Tinha alguns filhos e netos que jogavam e ele ficava de cócoras, atrás do gol, assistindo a preliminar e o jogo principal. Eu não conseguia imaginar como uma pessoa pudesse ficar imóvel, sentada sobre os calcanhares por mais ou menos três horas. Após o jogo ia para casa, bem chumbado, com a ajuda de alguém, sem dizer uma só palavra.

O único dinheiro que fazia questão de separar, no dia do pagamento, era para comprar o seu garrafão de pinga. O seu provimento era feito aos sábados, em um engenho situado a mais ou menos cinco quilômetros de sua casa. Um dia foi buscar cachaça, como de costume, mas não se sabe o porquê, resolveu tomar outro caminho de volta. Na venda do engenho comprou a pinga e um bom pedaço de mortadela.

O Gonçalo foi se isolar em um retiro abandonado da fazenda, completamente fora de sua rota normal. Ele tinha por hábito sair aos sábados pela manhã e chegar na hora do almoço. As horas foram passando, já era escuro e ele não chegava. Os familiares começaram a ficar preocupados. Foram até o engenho, fazendo o mesmo caminho, na expectativa de encontrá-lo caído em algum lugar.

A notícia de que ele não havia chegado se espalhou e toda a fazenda se mobilizou, noite afora, a procura do Gonçalo. No domingo as buscas se intensificaram e nada de achar o homem. Muitas hipóteses foram aventadas, até a possibilidade de ter caído no rio e ter se afogado. Algumas pessoas chegaram a procurá-lo no tal retiro, sem êxito. Ele estava no canto de um bezerreiro, camuflado por uma cama de capim fenado.

Na segunda-feira, organizou-se uma varredura, por toda a fazenda e encontraram o Gonçalo deitado ao lado de seu garrafão. Havia bebido mais da metade e comido um bom pedaço da mortadela. Ele foi levado para casa sorrindo apesar da bronca dos filhos, sem dizer uma só palavra.

Na terça-feira foi o primeiro a chegar ao serviço, recebendo os cumprimentos dos companheiros. O Gonçalo levou a vida na mesma toada, até ser aposentado pela compulsória (80 anos de idade). Sem ter o que fazer, ficava vagando pela fazenda, entrou em depressão. As doenças foram aparecendo, vindo a falecer sem usufruir da aposentadoria, em compensação levou a vida da forma como gostava.

A NOVILHA FUJONA

Um campeiro no seu trabalho de rotina ao percorrer os pastos, quando inspecionava os animais, observou através de vestígios, que um animal estava do lado de fora da divisa. Ele verificou toda a cerca daquele pasto e não encontrou arame quebrado por onde a rês pudesse ter escapado.

A fazenda, na região, era a única que criava gado e fazia divisa somente com canaviais, era uma ilha num mar de cana. Nestas condições quando um animal saia do pasto ficava rodeando-o, na tentativa de encontrar um local por onde podia voltar.

O animal não foi visto, mas não restava dúvida de que um deles estava para fora. O capataz foi comunicado indo com mais dois campeiros tentarem recolhê-lo. Não conseguiram vê-lo, somente viram os seus rastros e fezes.

Os campeiros abriram um lance de cerca, assim ele poderia entrar naturalmente e retiram o gado daquele pasto. Alguns dias se passaram, a tática não surtiu o efeito desejado, a rês ia para outro ponto da divisa onde existia gado.

Outra tentativa, seis campeiros fizeram uma varredura do local, percorreram todos os carreadores e com muita gritaria e estalos dos chicotes tentaram, em vão, tirá-la do meio do canavial.

Ela se alimentava de cana e bebia água empoçada nas curvas de nível. Um dos campeiros se prontificou em arrumar cachorros treinados na lida do gado, com um seu amigo. O pega foi combinado para um sábado. Os três cães eram grandes e fortes, o dono abatia bovinos no matadouro e vendia a carne no seu açougue, comida não faltava para a cachorrada.

Os campeiros, montados em seus cavalos, ficaram em pontos estratégicos e soltaram os cães. Não demorou eles acharam a rês e começaram a latir e a segui-la. Uma hora de corrida por todo aquele mar de cana, até que pararam e só se ouviam os latidos. Todos foram para o local, lá estava uma novilha Nelore, acuada pelos cães. Ela estava amuada, cansada, ofegante e com as narinas ensangüentadas pelas mordidas. Foi laçada e levada até o curral.

Antes de tirar o laço o capataz quis identificá-la através da tatuagem da orelha. Uma surpresa a novilha não era da fazenda. Como era possível se não havia criadores de gado na redondeza, somente cana.

Após duas semanas do ocorrido a fazenda ia realizar seu leilão anual, de reprodutores. No dia do leilão um usineiro, compareceu como era de seu costume. Ele era criador de gado Nelore e possuía um plantel dos melhores do Brasil. Tinha uma grande fazenda de criação no Mato Grosso do Sul e lá fazia a seleção do gado. Na sede da usina deixava somente os animais de exposição, em regime entabulado.

Em conversa foi perguntado se não havia sumido alguma novilha da sua propriedade.

Ficou curioso e perguntou.

- Por quê?

- Uma novilha apareceu aqui e não sabemos de quem é.

Ele disse.

-Há mais ou menos um mês sumiu lá de casa uma novilha, de forma muito estranha. Pensamos em roubo, tratava-se de uma rês de grande valor e iria ser utilizada para a transferência de embriões. Eu fiquei muito aborrecido e mandei o encarregado do gado embora.

A novilha estava em um piquete próximo, ao vê-la sorriu dizendo.

- È a minha "Princesa da Índia". Ela não tem a nossa marca, ia recebê-la por ocasião do registro, o número na orelha é 758.

A futura reprodutora foi devolvida ao seu legítimo proprietário e tornou-se grande campeã em várias exposições.

Através das diligências, para se apurar o seu desaparecimento, concluíram que tinha havido uma tentativa de roubo. Quando os ladrões a estavam levando ela escapou e se embrenhou pelo canavial. A sede da usina fica a 10 km da fazenda. A novilha "fujona" foi guiada pelo seu instinto e provavelmente pelo cheiro do gado.

OBSERVADOR DE MACACOS

Um biólogo da USP deveria dissertar sobre o comportamento social de macacos nas matas da região de Ribeirão Preto, em sua tese de mestrado. Para tanto necessitava de uma reserva florestal, onde existisse esta espécie animal. Foi orientado que nas reservas florestais (cerca de 600 Ha) da Fazenda Experimental de Sertãozinho poderia encontrá-los. Um pedido formal foi feito solicitando permissão para que pudesse entrar nas matas e fazer a sua pesquisa. No primeiro dia um dos funcionários da fazenda orientou o jovem pesquisador onde encontrar os macacos.

Ele se embrenhava floresta adentro, sozinho e com muito entusiasmo. Após um mês já havia identificado as espécies de macacos existentes: bugios, pregos e sauaçu. Ficava o dia todo observando o comportamento dos animais, munido de um binóculo, água e comida.

Nesta fase procurava se aproximar, fazer amizade com os primatas e identificar as famílias. Eles eram arredios, causada pelos caçadores e aprenderam a fugir na presença do homem. O trabalho exigia muita paciência e coragem em abrir as trilhas, qualidades que não lhe faltavam. Ele chegava bem cedo à fazenda, com sua moto, dava um bom dia aos funcionários e ia para as matas.

Um dia ao abrir as picadas com um facão, sofreu um acidente grave. O facão resvalou em um cipó atingindo o na perna, causando um corte profundo. A hemorragia era grande com muito esforço arrastando-se conseguiu sair do mato e chegar até a estrada. Pedindo socorro aos gritos, um colono, por sorte, estava perto, ouviu e o socorreu.

Foi carregado até o escritório já quase sem sentidos, devido a hemorragia, sendo levado à Santa Casa de Sertãozinho. Felizmente a hemorragia foi contida e no dia seguinte teve alta. O susto foi tão grande que a própria Faculdade e os parentes solicitaram que ele não mais voltasse fazer aquela pesquisa. A primatologia havia perdido um pesquisador nato.

Houve imprudência de todas as partes: dele próprio, do orientador e da Fazenda, em permitir que ele entrasse na mata sozinho.

Os perigos ao se entrar em uma floresta são vários: serpentes peçonhentas (cascavel, jararacas, jararacuçu, cotiara, urutu, coral), abelhas africanizadas, aranhas (armadeira, viúva-negra, tarântula, marrom), morcegos, escorpiões (amarelo, preto), taturanas, insetos transmissores de doenças (carrapatos, barbeiros, pernilongos, moscas), plantas (alergênicas, espinhosas, urticantes, cáusticas fotossensibilizantes), imperícia ao se usar facões, perder-se, animais (ouriço, onça) , etc.

O CAVALO NA FOSSA

Nós morávamos em uma casa com um quintal enorme. Antigamente todas as casas de fazenda possuíam horta, pomar e galinheiro. Como era de meu costume ia todo dia ao quintal tratar das galinhas e aguar as verduras. Um dia, pela manhã, distraído nos meus afazeres, ouvi um barulho estranho. Um sopro abafado e intermitente. Este ruído era semelhante ao bufar dos eqüinos, produzido pela expulsão vigorosa do ar pelas narinas. Olhei para todas as direções, seguramente não havia cavalo no quintal. Fiquei intrigado e perplexo de não ver o animal. Fui caminhando vagarosamente, orientando-me pelo bufar e constatei que vinha de um buraco.

Um cavalo havia caído em uma fossa abandonada. Ela tinha uma tampa de concreto recoberta de capim e um buraco lateral causado pelo peso do cavalo. A fossa era bem grande e o animal estava em pé, tranqüilo e sem nenhuma possibilidade de sair. Com o auxílio de um trator, foi aberta uma rampa para que ele pudesse sair. Sem muito esforço o cavalo saiu andando perfeitamente, somente com algumas escoriações.

Com a domesticação dos animais, durante milênios, os tornaram dependentes do homem. Eles podem ficar na fossa quando atingidos por fatores estressantes como: fome, clima adverso, doenças, barulhos, ficar em lugares não apropriados e longe dos seus companheiros.

O "Comitê de Bem-estar de Animais," considera para que os animais tenham um bem-estar, cinco liberdades:

1- Liberdade Nutricional (estar livre de fome e sede).

2- Liberdade Sanitária (estar livre de doenças e ferimentos)

3- Liberdade Comportamental (deve ter liberdade para expressar o comportamento natural).

4- Liberdade Psicológica (estar livre de sensações de medo e de ansiedade).

5- Liberdade Ambiental (liberdade de movimentos em instalações adequadas).

O cavalo em questão era utilizado na lida do gado e estava acostumado em ficar preso na cocheira. Assim, ao ver-se no buraco, não ficou estressado. Com muita calma ficou esperando que alguém o retirasse de lá.

AVALIAÇÃO FULMINANTE DE UM TOURO

Um criatório de bovinos da raça Gir necessitava urgentemente de um reprodutor para dar continuidade aos trabalhos de melhoramento genético. Um touro, de um criador de renome, foi encontrado, satisfazendo plenamente as exigências estabelecidas. O preço foi combinado e o touro foi enviado, em confiança, à propriedade antes do pagamento.

Para se efetuar a compra havia necessidade de uma avaliação por três técnicos, exigência burocrática legal. A comissão de avaliação foi designada, sendo composta de dois técnicos da fazenda e um de São Paulo. Os profissionais, da fazenda, conhecedores das necessidades da criação, já haviam concordado com o preço e assinaram a avaliação. Como de praxe o terceiro técnico dificilmente discordava da avaliação dos colegas e assinava em confiança (pró-forma).

O Veterinário de São Paulo era um profundo conhecedor das características raciais da raça Gir. Ele visitava as fazendas do Brasil, fazendo o registro genealógico dos animais. Ele veio de São Paulo, exclusivamente, à fazenda para avaliar o touro. Logo ao chegar quis ver o reprodutor que estava em uma baia. Ao chegarmos ao curral, ele perguntou.

-- O touro é aquele da primeira baia? Estávamos a uma distância de trinta metros do animal e ele estava deitado e mal dava para vê-lo.

-- Não precisamos ir até lá, disse ele. O touro já está visto.

Achamos estranho, ficamos no local um minuto, vir de tão longe e não querer examiná-lo de perto, detalhadamente.

Qual não foi a nossa surpresa quando disse que não iria assinar o processo de compra, por estar super avaliado. Indignados, perguntamos o motivo. Ele respondeu com convicção.

-- O touro apresenta sérios problemas: a orelha está fora do padrão racial; - a saída dos chifres é muito alta; - a conformação do crânio não é a ideal; - apresenta sérios problemas nas pálpebras; - a boca apresenta sinais de prognatismo; - apresenta manchas graves de despigmentação da pele no pescoço; - o cupim não tem a forma desejável e está caído para um dos lados; - apresenta um ligeiro desvio de chanfro para a esquerda; - tem pelos brancos na vassoura do rabo; - o osso sacro é muito saliente. Com o animal deitado pude ver estes defeitos que são suficientes para desaprovar a compra.

Nos, sem dizermos uma só palavra a favor das qualidades do touro, ficamos pasmados e com cara de banana. Pediu para que o levasse até a cidade que deveria voltar rapidamente a São Paulo. Com muita vergonha tivemos que devolver o touro ao proprietário, inventando uma história esfarrapada.

Pelos fatos ocorridos fizemos um pré-julgamento errado do nosso colega e isto mostra como é importante consultar e acolher a opinião de outros, antes de tomarmos qualquer atitude ou decisão precipitada.

O GARROTE POLÍTICO

A Fazenda Experimental de Criação de Sertãozinho (FEC) realizava, anualmente, um teste de avaliação dos futuros reprodutores. Esta técnica é chamada de "Prova de Ganho em Peso" (PGP).

Muita gente se aproveita deste evento para tirar algum proveito ou se projetar, em diferentes áreas: técnica, comercial e política. As PGP, com esta importância, proporcionam aos governantes um prato cheio para fazerem política.

Em um destes eventos o Secretário da Agricultura confirmou a sua presença. Uma hora antes da sua chegada já estavam presentes deputados, prefeitos e vereadores de toda região.

Na programação constava uma visita ao confinamento dos animais, onde seriam apresentados os futuros reprodutores. Todos foram ver os garrotes, mais de cem pessoas.

O responsável pela prova reuniu os convidados no interior do recinto, junto aos animais. As pessoas formaram um círculo para melhor ouvir as explicações do técnico.

Em um dado momento os animais curiosos se aproximaram e um deles, da raça Nelore, deu uma violenta cabeçada em um dos convidados. O escolhido dentro de tantas pessoas foi o Secretário da Agricultura. Ao receber o impacto da cabeçada foi arremessado para dentro do cocho de ração. Ao se constatar que ele não havia se machucado todos deram uma sonora gargalhada, acompanhada de palmas.

O vexame passado pelo político foi tanto que se resolveu terminar a visita no interior de um anfiteatro.

Pelo ocorrido notou-se que houve uma coincidência grande, ou pode-se deduzir que até os animais não são muito afeitos aos políticos aproveitadores

O URUTAU

Eu recém-casado e formado em Veterinária, fui trabalhar na Fazenda Experimental de Criação, em Sertãozinho. Uma casa nos foi dada, afastada da sede. Era muito grande, ao lado havia um caminho com árvores nativas, bonito, mas às vezes sinistro.

Uma noite acordei assustado por uma voz, como se fosse um pedido de socorro agonizante. Levantei trêmulo e fui até o vitrô da sala para ouvir melhor. Ao ouvir aquele grito sufocante tive um arrepio de medo e fiquei aterrorizado. O pedido de socorro vinha do caminho e a noite estava escura. Fiquei paralisado, por algum tempo, ouvindo e tentando entender aquele clamor. Notei que os gritos eram sempre no mesmo tom com uma seqüência regular, intercalados por uma pausa. Após algum tempo notei que o som, semelhante a uma súplica, foi se afastando até desaparecer.

Eu fui tomado por uma angústia, poderia ter sido uma pessoa pedindo ajuda, não consegui dormir aquela noite. Fiquei com medo de sair de casa e ser abordado por um malandro ou seria alguém interessado em nos assustar. A minha mulher ficou gelada e agarrada em mim à noite toda.

Pela manhã, esperei o dia clarear, fui até o caminho, receoso e dei uma olhada rápida, mas não vi nada de estranho.

Nós tínhamos um empregado que cuidava da criação, limpeza do quintal e da horta. Era um senhor aposentado, 70 anos, casado e com muita vivência das coisas da roça.

Quando ele chegou, fui contar o que havia acontecido naquela noite de terror.

Ele ouviu tudo em silêncio. Deu uma gargalhada e disse.

-- O grito de socorro que o senhor escutou foi de um urutau. É uma ave que canta à noite com um som semelhante a uma voz.

Este pássaro é raro, hábitos noturnos, conhecida por chora-lua, ave-fantasma, mãe-da-lua.

Durante o dia fica completamente imóvel, camuflado na ponta de um galho seco, em posição ereta, cabeça voltada para cima. Tem "olho mágico" com duas fendas na pálpebra superior, por onde observa os arredores com os olhos fechados.

A minha curiosidade em conhecer esta ave era tanta que acabei encontrando-a, no nosso quintal. Foi alvo de fotos e estudos por ornitólogos da UNESP de Rio Claro que foram fazer um levantamento dos pássaros existentes na fazenda.

Pela dificuldade em ver um urutau, percebe-se que o pássaro para se proteger contra predadores desenvolveu um mimetismo, denotando uma evolução no sentido da preservação da vida.

PESQUISA CATASTRÓFICA

Eu recém formado em Medicina Veterinária, fui convocado para servir o Exército. Foi no período do governo militar, no ano de 1968.

Fui designado para o 17º Regimento de Cavalaria, sediado em Pirassununga. Chegando ao 17º RC passei a responder pelo Serviço de Veterinária e dar assistência a 280 cavalos. A responsabilidade era grande e trabalhava dia e noite.

Após alguns meses um colega de turma foi me procurar. Ele trabalhava em um laboratório muito conceituado e era responsável pelos testes dos novos medicamentos. Um vermífugo, muito utilizado na forma oral, precisava ser testado quando administrado pela via intramuscular. Para o teste eram necessários 20 cavalos, sendo que 10 iriam receber o vermífugo e os outros ficariam como testemunha.

Eu não poderia recusar o pedido do colega, mas deveria solicitar permissão. O Coronel quis saber do risco que os cavalos iriam correr no teste. Eu disse que o medicamento era utilizado na Alemanha e que não deveria causar problemas. Mesmo assim ele não queria autorizar. Eu expliquei que existiam cavalos a serem descartados, que não estavam sendo utilizados. Diante disto resolveu correr o risco, dizendo que eu era responsável pela eventual morte dos animais.

Os cavalos foram preparados e na parte da manhã receberam uma dose injetável do vermífugo. À tarde alguns começaram apresentar sintomas de cólica e foram medicados. Tarde da noite todos os 10 eqüinos estavam com cólicas. Apresentavam um aumento de volume do abdômen, devido à intensa formação de gases. Eles receberam os medicamentos de rotina, mas não apresentavam melhora.

Os cavalos foram preparados para uma punção abdominal, pois alguns já estavam com dificuldade respiratória. Nós não conseguíamos entender o porquê da cólica. A preocupação era grande. Utilizamos todas as alternativas de tratamento, sem sucesso. O prognóstico era reservado e já pensava nas conseqüências advindas do óbito dos animais.

Por volta da meia-noite alguns cavalos deveriam ser imediatamente puncionados como último recurso. Ao reler a composição do medicamento não encontramos nenhuma droga que pudesse ser a responsável pelas cólicas.

Neste momento o meu colega lembrou que os técnicos do laboratório haviam comentado em acrescentar na fórmula uma substância. Esta substância teria um efeito contra distúrbios colaterais, provocados pelo vermífugo. No entanto ela não foi colocada no rótulo do vermífugo.

Ela deveria, sem sombra de dúvida, ser a causa das cólicas. Resolvemos aplicar um antídoto da droga em todos os animais. O medicamento funcionou imediatamente. Os cavalos começaram a eliminar os gases e em pouco tempo todos estavam voltando às suas baias.

O susto foi grande e se os cavalos morressem, no meu entender, eu seria punido e expulso do Exército.

PENSÃO ASSOMBRADA

Na famosa crise do café em 1929 um fazendeiro, muito endividado, precisou entregar a sua propriedade para o Governo do Estado de São Paulo. Contava-se que havia matado, injustamente, um escravo. Ele começou a ter pesadelos e não conseguia dormir. Ouvia as correntes do escravo arrastando-se pelo assoalho do casarão. Aquele barulho o levou à depressão, entregou a fazenda ao Governo e foi embora.

A propriedade foi transformada em uma Fazenda Experimental de Criação (FEC). A residência do fazendeiro, um enorme casarão, ficou sendo uma hospedaria para técnicos. Após concurso público fui trabalhar na FEC como pesquisador, na área de bovinocultura de corte.

Ao chegar à fazenda fui me apresentar ao Diretor, solicitando permissão para ficar morando na pensão. Ele autorizou, dizendo para que eu escolhesse qualquer quarto, pois a hospedaria estava vazia.

A pensão tinha sete quartos enormes, escolhi o menor com uma cama. Ele ficava em um corredor comprido, de 12 metros, era o primeiro à direita vindo da sala e o banheiro ficava no fim.

Eu era o único morador. À noite o silêncio era absoluto, como diz o ditado: "dava-se para ouvir o silêncio". Eu nunca tive medo de nada, mas as histórias constantes sobre o Coronel, antigo proprietário e morador do casarão, começaram a me encucar.

No meio de uma noite ouvi um barulho de correntes se arrastando pelo corredor, bem em frente ao meu quarto. Confesso que fiquei arrepiado de medo, peguei o revolver, colocando-o embaixo do travesseiro. A porta não tinha chave, pensei, se ela abrir eu atiro. Aquela sensação de correntes se arrastando foi até o fim do corredor e desapareceu. A liberação de adrenalina foi grande e tive vontade de urinar, mas faltou coragem para ir ao banheiro.

Sugestionado pelas histórias antigas, instalou-se o medo, que me conduziram para uma alucinação de ter ouvido as correntes amarradas aos pés do escravo se arrastando. Como católico rezei e consegui superar aquele pavor, pois não poderia acreditar em crendices ou que poderia ter sido um simples sonho. Ao analisar o fato, "à luz do dia", cheguei a uma conclusão lógica: por que a alma de uma pessoa iria me assustar? Fiquei morando na pensão por um ano e nunca mais ouvi o tal barulho.

CUIDADO QUE O BARBUDO TE PEGA

Antigamente as mães para manter os seus filhos em casa, os amedrontavam falando.

-----Não fique na rua que o barbudo te pega. O barbudo era aquele andarilho, sujo, maltrapilho, com um saco nas costas, cabeludo e barbudo. Na verdade eram inofensivos como são os de hoje que encontramos freqüentemente andando nos acostamentos das rodovias.

As crianças corriam de medo ao verem o barbudo e serem levadas no saco. Quando eu falo aos meus netos.

----- Cuidado com o barbudo! Eles dão risada. A barba, hoje em dia, é usada por muita gente, de forma trivial.

Eu tenho, até hoje, certa antipatia para com as pessoas que usam barba. Como explicar este meu comportamento? Não sei até que ponto a imagem negativa do barbudo antigo que ficou gravada em minha memória possa ser responsabilizada por esta minha atitude. Outro motivo, mais forte, seria a minha aversão pelas pessoas que usam barba como um simbolismo político, espelhando-se em líderes comunistas como Fidel Castro e Che Guevara. Eu fico inconformado ao ver algumas lideranças políticas, dos movimentos sem terra e sem teto, usarem barba. Os meliantes, normalmente, as usam para cometerem seus crimes, podendo raspá-las para não serem identificados em caso de fuga.

A meu ver o uso da barba só se justifica em países com inverno rigoroso como proteção ao frio, doenças de pele ou no caso do Papai-Noel.

A presença de pelos na face dos homens é fisiológica e nada mais é do que uma característica sexual secundária dos machos. O seu uso pode sugerir que a pessoa é machista ou insegura do seu sexo.

Muitos deixam a barba crescer por preguiça de apará-la regularmente. Ela por fazer pode indicar que a pessoa é desleixada. Na falta de higiene se constitui em local propício para a proliferação de microrganismos. Em clima tropical o seu uso é inadmissível.

Não podemos, nos dias de hoje, dizer aos nossos filhos.

----- Não saia na rua que o barbudo te pega. Os perigos são outros quando comparados com os de antigamente. Os barbudos estão por toda parte e não levam sacos nas costas.

O que se deve falar, hoje, às crianças para que não saiam à rua? Não podemos estigmatizar a figura do barbudo como sendo um mal eminente aos filhos. Qual a figura a ser utilizada nos dias de hoje?

A MACARRONADA

As festas italianas de hoje em dia com muita comida, regada com vinho, lembram as reuniões familiares de antigamente. No início do século os descendentes de italianos tinham por hábito reunirem-se para comer, tomar vinho, cantar e conversar. Os locais destas festas se revezavam entre as famílias, principalmente para comemorar aniversários.

Em uma destas festas, realizada na casa de um italiano, ocorreu um fato engraçado. Um jantar foi organizado, sendo convidados os seus amigos. Um bom vinho foi servido como aperitivo. Todos estavam ansiosos em saborear o jantar, o apetite aumentava a cada momento.

Uma abundante macarronada foi servida em belas travessas. O macarrão era espaguete, molho de puro tomate, coberta de queijo parmesão ralado e repleta de pequenos pedaços de carne cosida. Com o guardanapo no peito comeram até não agüentar mais, acompanhada de muito vinho.

Após o jantar muitos elogios à saborosa macarronada. Todo radiante o anfitrião agradeceu e perguntou.

------ Gostaram da carne da macarronada?

Todos responderam.

------- Sim estava deliciosa.

O italiano disse.

------ Vocês sabem que carne comeram? Foi de caramujo. Os convidados se entreolharam e saíram para o quintal correndo para vomitar.

A família do italiano tinha por hábito comer estes moluscos, conhecidos por escargot. As crianças caçavam os caramujos nativos na zona rural, vendendo-os ao italiano. O caramujo apresenta um aspecto repugnante, sendo o seu consumo aqui no Brasil muito pequeno.

Ao final de 1970 foram trazidos da África um tipo de caramujo com fins de exportação. As criações mal conduzidas se multiplicaram. Não havendo marketing a comercialização ficou prejudicada. Diante do malogro começaram a soltar os caramujos pelos quintais.

Estes moluscos exóticos apresentam uma grande capacidade reprodutiva e adaptaram-se perfeitamente no Brasil. Eles podem fazer seis posturas por ano, com 500 ovos cada. São hermafroditas incompletos, têm os dois sexos, mas não se autofecundam, precisam de um parceiro e ambos se fecundam ao mesmo tempo.

Transformaram-se em uma praga com potencial em transmitir doenças às pessoas. As pessoas, cães e gatos podem contrair doença ao ingerirem, "in natura", o caramujo contaminado pelo parasita. A doença, chamada de angiostrongiliase, causada por uma pequena larva que ao ser ingerida pode migrar para os pulmões, coração e cérebro.

O escargot além de ser apreciadíssimo na culinária européia, a sua saliva (baba) é utilizada em pomadas cicatrizantes, xarope na França, contra bronquite, cremes regeneradores da pele, rugas, manchas e verrugas.

Além destas qualidades o escargot na Europa é considerado um símbolo do amor e vem estampado nos cartões do "dia dos namorados". Quando estão se autofecundando ficam juntos de 10 a 12 horas.

Através da reação das pessoas, ao comerem o caramujo, verifica-se que ocorreu uma repugnância a este alimento. Isto sugere uma previsão da inviabilidade da criação deste molusco para atender o mercado interno, podendo ser interessante à exportação.

Obs.- O caramujo é hospedeiro intermediário de dois vermes. As larvas destes parasitas podem ser ingeridas pelo homem, causando as seguintes doenças:

Angiostrongylus costaricensis- dores abdominais, febre, anorexia e vômitos.

Angiostrongylus cantonensis- tipo de meningite

Para outras informações - www.ibama.gov.br.sp,linkCaramujo africano. Tel.11-3066-2633,ramal 2736.

O HOMEM QUE COMIA COBRAS

Um funcionário, de nome Amorim, morador da Fazenda Experimental de Criação de Sertãozinho-SP tinha o hábito caçar e comer cobras. Esta fazenda de 2400 ha é a única área da região onde os animais silvestres encontram condições para viver.

Desta forma as serpentes se reproduzem e proliferam. Estes répteis são predadores de roedores, causadores de prejuízos na lavoura.

As cobras são classificadas em dois grandes grupos, as peçonhentas (cascavel, urutu, coral, jararaca, etc.) e as não peçonhentas (jibóia, sucuri, boipeva, etc.).

Nas zonas rurais as cobras, muitas vezes, se aproximam das casas, à procura de ratos e aves domésticas. Quando isto ocorre elas não são bem vindas, principalmente as venenosas que podem causar acidentes as pessoas.

Após esta pequena introdução vamos narrar uma história verdadeira, envolvendo o funcionário de nome Amorim "comedor de cobras".

Eu tinha uma criação de galinhas caipiras, ficavam soltas, chocavam seus ovos, criando os pintinhos. Certa vez notei que os franguinhos estavam desaparecendo, desconfiando que pudesse ser cobras. Dito e feito achei uma jibóia perto da casa que a me ver entrou rapidamente em um buraco de tatu.

Por ter consciência da importância destes répteis não peçonhentos não os matava, tinha um laço próprio para imobilizá-las, levando-as dentro de um saco para bem longe. Desta vez resolvi chamar o Amorim. Eu estava com raiva da cobra, pois havia comido os meus pintos.

O caçador de cobras chegou ao local com muita prudência, observando o buraco onde a cobra se encontrava. Após algum tempo disse.

-- Eu não tenho medo de jibóia e sim de alguma outra venenosa que ocasionalmente poderá estar também no buraco. Ao introduzir a mão foi surpreendido por uma mordida, assim mesmo segurou e a puxou para fora. Os dentes da jibóia haviam perfurado uma veia importante no dorso de sua mão. O sangue era abundante e a cobra enrolada em seu braço. Preocupado com a hemorragia disse para que soltasse a cobra para cuidar do ferimento, ele calado saiu apressado para a sua casa, levando a jibóia.

Após uma hora voltava para o trabalho com a mão enfaixada, dizendo que a dita já estava temperada e que iria saboreá-la no almoço, nos convidando. Pergunte se eu fui... Nunca!

ACIDENTES OFÍDICOS

Há um século milhares de pessoas morriam anualmente de picadas de serpentes venenosas, sendo muito maior o número de bovinos, cavalos e cães.

Não havia um medicamento seguro, eram utilizados no desespero da morte eminente os mais absurdos "tratamentos", indicados por curandeiros. Por exemplo: queimava-se o local da picada com ferro em brasa, enterravam as pessoas até o pescoço para que a terra extraísse o veneno, amputava-se o membro, pois era preferível ficar aleijado a morrer. Muitos morriam pela ingestão de grandes quantidades de querosene ou beberagens, nas quais se misturavam alho, fumo e pimenta, esmagados com álcool e querosene.

O meu pai sempre contava uma história, ocorrida em Lençóis Paulista, nos idos de 1930. Uma empregada e amiga de nossa família, de nome Margarida, foi alvo de um lamentável acidente ofídico.

Nos campos entre os municípios de Lençóis Paulista e Santa Bárbara do Rio Pardo existiam grande quantidade frutas silvestres como o caju do campo, gabiroba, pitanga, araçá,etc. Nos meses de novembro e dezembro as pessoas iam colher estas frutas. O caju do campo era uma delícia, dava em moitas grandes e não era difícil encher uma cesta.

Um grande perigo rondava estes lugares, as cobras ali ficavam a espera de pássaros e ratos. A nossa amiga foi alvo de um acidente ofídico enquanto colhia os cajus, tinha sido mordida por uma cascavel.

Ela foi colocada no caminhão e levada imediatamente à cidade para ser atendida. O médico não estava na cidade, o soro não era, ainda, disponível no interior, foram utilizados os "recursos" da época já descritos.

A Margarida estava na casa de meus avos maternos O seu pai foi chamado.

Ao ver a filha perguntou.

-- Qual foi a cobra?

As pessoas responderam.

-- Foi uma cascavel.

O pai inconsolado disse.

-- Então não tem mais jeito, ela vai morrer.

Todos os recursos da época foram utilizados, mas a Margarida veio a falecer.

Em 1903 Vital Brasil, pesquisador do Instituto Butantan, apresentava através de uma demonstração prática, em um Congresso de Medicina no Rio de Janeiro, um remédio eficiente contra os venenos de cobras.

O cientista explicava: "Os remédios infalíveis, tirados do próprio veneno das cobras, injetados em cavalos para serem imunizados com eles. Esses anti-soros, obtidos do sangue do cavalo imune, são os únicos remédios eficientes".

Vital Brasil, diante de uma platéia numerosa composta de pesquisadores, médicos e estudantes iniciou a sua demonstração: Extraiu, na frente de todos, o veneno de uma enorme cascavel, colocado em um cálice. Em uma gaiola estavam quatro pombos: Em dois injetou uma dose mortal de veneno, em outros dois injetou a mesma dose letal do veneno, mas também uma dose do soro. O auditório esperava pelo desenlace nunca antes visto. Os quatros pombos estavam deitados. Foram ouvidas risadas e vozes ofensivas, seria mais um fanático. Vital bateu palmas para assustar os pombos: os dois que haviam recebido veneno e soro esvoaçaram pelo salão, os outros dois estavam mortos sobre a mesa.

Os congressistas em pé o saudaram com palmas. A partir desta data milhares de vidas foram e estão sendo salvas graças aos trabalhos deste extraordinário pesquisador.

A ONÇA DE DUAS PERNAS

O meu pai era co-proprietário de uma fazenda, distante da cidade de Lençóis seis quilômetros. Ainda jovem mudou-se para a cidade, indo trabalhar em uma loja do seu tio, casou e tiveram três filhos.

Em companhia de nossa mãe íamos sempre à fazenda, passávamos o dia e voltávamos à noitinha. A estrada era ladeada de mato e tínhamos medo de passar por ela, quando o nosso pai não estava junto. O nosso receio aumentava, pois falavam que existiam animais como onça, tamanduá e cobras venenosas. Se não fosse tudo isto acreditávamos em lobisomem, saci e assombração.

Em uma destas voltas a casa, no meio do caminho, ouvimos um barulho no mato, que nos perseguia, era um misto de miado e rugido e era arrepiante. A nossa atitude foi sair correndo, largando tudo para trás, cestas de frutas e latão de leite.

Ao chegarmos em casa apavorados contamos ao nosso pai o que havia acontecido. Ele ficou surpreso, pois nunca ouviu barulho na estrada por onde passava deste criança.

Nos não queríamos voltar sozinhos à fazenda e combinamos com nosso pai para que ele fosse, após o trabalho, nos esperar na porteira da fazenda. Quando chegamos à porteira ele já estava nos esperando e mandou que fossemos caminhando à frente. Logo atrás ele nos acompanhava, armado com um revolver calibre 38. Dito e feito no meio do caminho ouvimos o barulho aterrorizador. O meu pai correu e deu um tiro em direção ao local de onde vinha o barulho.

Um grito veio do mato.

-- Por amor de Deus não atire.

O nosso pai disse.

-- Saia do mato e venha para a estrada, dando mais um tiro para o alto.

A pessoa apareceu e de joelhos implorava para não atirar. O meu pai furioso disse.

-- Sem vergonha, assustando a minha família.

O suposto animal era um rapaz, filho de um colono da fazenda. Por brincadeira se divertia assustando as pessoas. Por pouco não recebeu um tiro, chorando pediu desculpas ao meu pai que estava irritado e ao mesmo tempo contente por não ter acontecido o pior.

UMA VISITA FELIZ

A Fazenda Experimental de Criação, de Sertãozinho (FEC), recebia estagiários, estudantes de Veterinária. Os jovens de mais ou menos 20 anos de idade ficavam por um mês hospedados na pensão.

Um pesquisador de nacionalidade venesuelana veio conhecer a Fazenda. A sua visita estava prevista para apenas um dia, pois havia uma programação a ser cumprida. Os seus dias estavam todos agendados.

O venezuelano era muito simpático e aparentava ter mais de 70 anos. Com muita disposição percorreu toda a fazenda, acompanhado por um técnico e dos estudantes, em número de sete.

Almoçaram juntos e logo se estabeleceu uma intimidade entre os estudantes e o senhor venezuelano. Ele era chamado, sem a mínima cerimônia, pelos estudantes de Polho (frango).

Ao término da visita no período da tarde, o Polho deveria voltar à Ribeirão Preto. Ele estava hospedado em um hotel, mas foi convidado para jantar na FEC.

Após o jantar foi se despedir dos estudantes e estes o convidaram para jogar baralho. Já tarde da noite não era possível estabelecer diferença de idade entre eles. Nesta altura dos acontecimentos, o grupo era formado não mais de sete e sim por oito.

Para votar à Ribeirão Preto era tarde, acabou dormindo na pensão. No dia seguinte ele abandonou toda a agenda e ficou com os estagiários por um mês. Ele participava da programação normal dos estágios.

Na despedida chorando disse que aqueles dias foram os mais felizes da sua vida e que havia voltado há ter 20 anos. Os estudantes o consideraram como um colega esquecendo a diferença de idade entre eles.

CAPIM PARA DOIS

O fato a ser narrado ocorreu na época em que a tração animal era muito utilizada nos serviços rurais e urbanos.

Muitas pessoas viviam destes serviços e tinham seus animais nos quintais de suas casas.

Após o trabalho diário estes carroceiros iam cortar capim, nos arredores da cidade, para alimentar os seus animais.

Uma tarde dois amigos foram colher as forrageiras. Ao chegarem ao local começaram a encher as carroças de capim.

Um deles carregou a sua carroça rapidamente e ficou esperando o seu amigo.

Como ele estava demorando chamou o amigo, dizendo em voz alta.

---Vamos embora que já cortei o capim suficiente para mim.

O seu amigo respondeu.

---- Se cortou o capim suficiente para você corte agora para cavalo.

O BATIZADO E OS VEXAMES

Na época em que ocorreu este fato eu tinha cinco anos de idade. O meu nono Secondo Ângelo Pavanato, minha mãe Délia e eu foram os principais personagens desta narrativa.

Aos 70 anos meu avô foi convidado pelo seu filho Uris para ser padrinho de um neto e como madrinha a sua filha Délia.

O meu tio Uris e família moravam em uma fazenda de café em Val de Palmas, pequena estação de trem, próxima a Bauru.

O dia do batizado foi marcado por carta em um domingo. Um dia antes, portanto, no sábado, fomos os três - avô, minha mãe e eu para a casa do tio Uris.

De Lençóis fomos até Bauru de ônibus. Em Bauru pegamos um trem, da Companhia Noroeste, até Val de Palma.

Ao embarcarmos acomodamos o meu avô em um dos vagões e fomos sentar em outro, o trem estava cheio de gente.

Como de hábito o chefe do trem passa avisando o local da próxima parada, para que as pessoas ficassem prontas para descer.

A estação onde deveríamos descer foi anunciada. O trem parava pouco tempo na pequena estação. Eu e minha mãe pegamos a mala e ficamos prontos. O trem parou chamamos o nono e descemos.

Não preciso dizer que não deu tempo do meu avô descer. Ele era gordo, enxergava pouco e usava bengala. Até se despedir da pessoa que estava ao seu lado, o trem foi embora levando o Secondo.

Minha mãe não sabia o que fazer, foi falar com o chefe da estação. Este imediatamente passou um telegrama para a próxima estação e pediu para que auxiliassem o referido senhor descer do trem. Desta forma pegou outro trem em sentido contrário, até Val de Palma.

Eu e minha mãe fomos, a pé, até a fazenda, onde morava o meu tio, cerca de dois quilômetros. À tarde chegou o meu avô, desenxabido, jogando a culpa na pessoa com quem estava batendo papo, durante a viagem.

Pernoitamos na casa do tio e eu aprontei dois vexames.

O primeiro foi logo após tomar banho. Com roupa limpa, levei um tombo, caindo em uma possa d água. A minha mãe me levou pela orelha para tomar outro banho e fiquei de castigo.

Os meus tios eram pobres, a casa era de colônia e tinha dois quartos. Para o jantar a minha tia Luiza preparou um franguinho caipira com polenta.

Eles fizeram questão de dar o quarto do casal para pernoitarmos. Eu e minha mãe dormimos juntos em uma cama. O colchão feito de palha de milho, era fofo e fazia barulho quando movimentávamos na cama.

A privada ficava fora da casa, não tinha vaso sanitário e as necessidades eram feitas, de cócoras, em um buraco que existia no assoalho de madeira. Durante a noite as necessidades eram feitas no pinico que ficava em baixo da cama.

Com tantas mudanças no meu modo de vida eu acabei aprontando mais um vexame. Fiz xixi na cama. De manhã a minha mãe ficou muito brava, envergonhada pediu desculpas à minha tia pelo que eu havia aprontado. O colchão foi colocado no sol para secar.

Após o café fomos para a estação pegar o trem que nos levaria à Bauru, local do batizado. O batizado foi na Igreja Santa Terezinha.

Nesta Igreja havia uma imagem de Nossa Senhora Menina e minha mãe fez questão em orar diante da Santa. Ela sempre contava ter alcançado uma graça. A Santa havia me curado de uma enfermidade quando eu tinha um ano de idade.

Com muita alegria fomos até um bar comemorar o batizado, tomamos guaraná e comemos sanduíches de mortadela.

A estação de trem ficava próxima ao local onde deveríamos pegar o ônibus para Lençóis. Após as despedidas o meu tio com sua família voltaram à Val de Palmas.

O batizado ficou marcado não tanto pelo ato religioso e sim pelas vergonhas, uma do meu avô e duas que aprontei. Elas estão sempre vivas em minha memória.

RAQUEL E O BERÇÁRIO FECHADO

A nossa filha Raquel nasceu em Pirassununga aos 22 de abril de 1973. Nos morávamos em Sertãozinho, na Fazenda Experimental de Criação. A minha mulher Ângela Mara resolveu dar a luz em Pirassununga porque lá moravam seus pais. Além disso, já tinha o nosso filho André nascido naquela cidade. O médico Dr. Arnaldo fez o pré-natal e era conhecido da família e colega do meu sogro Dr. Joaquim.

Uns quinze dias antes do parto fomos todos para Pirassununga, eu havia tirado férias. Após fazer os exames de rotina ficamos esperando o nascimento. A expectativa foi grande não sabíamos o sexo da criança.

Em um sábado de Aleluia, no mês de abril, começaram a aparecer os sinais de parto. Eu levei a Ângela Mara à maternidade. O médico após exame disse que o parto estava próximo e que devia ser chamado para fazer o parto.

A hora do parto havia chegado, um pouco antes da meia noite do sábado, e a enfermeira não conseguia encontrar o médico. Foi informada que ele estava na missa da Aleluia. Eu fiquei preocupado e fui atrás do médico na Igreja. La chegando localizei o Dr. Arnaldo avisando que a minha mulher já estava na sala de partos. Ele prontamente saiu da missa e foi fazer o parto.

Já era meia noite e meia, portanto Domingo de Páscoa, quando a nossa filha nasceu. O parto foi natural e tudo correu bem, ela era saudável. Eu estava ansioso para ver a minha filha, na porta do berçário. Nesta altura aconteceu o inesperado.

A enfermeira chegou com a Raquel embrulhada em um lençol, mas a porta do berçário estava fechada. Esta saiu à procura da outra que era responsável pelo berçário e não a encontrava. Ficou andando com a Raquel pelos corredores do Hospital e eu atrás. Eu estava nervoso e mandei que a enfermeira fosse imediatamente para sala de parto com a minha filha. Após muita procura fui localizar a enfermeira na cozinha, tomando café, no maior bate papo. Quase peguei ela pelo pescoço e mandei que fosse abrir o berçário.

Já era Domingo de Páscoa, fiquei com minha mulher o resto da noite. De manhã fui para a casa anunciar o nascimento da Raquel. Os meus pais, que moravam em Lençóis Paulista foram visitar a nova neta que havia nascido. O André foi conhecer a irmãzinha no mesmo dia.

Estou escrevendo esta história a pedido da própria Raquel. Hoje é lembrada como sendo engraçada, mas para mim não foi.

ABRAÇO DE TAMANDUÁ

Um fato lamentável ocorreu, na década de 1990, na Fazenda Experimental de Criação, em Sertãozinho-SP, dois tamanduás foram covardemente mortos.

Os animais estavam procriando, nesta fase ficam tão envolvidos no acasalamento e não fogem mesmo na presença do homem.

Os indivíduos que cometeram este crime, que não merecem serem chamados de caçadores, atiram nos tamanduás-bandeira. Os campeiros da fazenda viram os animais um dia antes deste ato desumano.

Esta crueldade foi além, levaram os bichos para comer, na cidade de Barrinha-SP. Um churrasco foi preparado e convidaram várias pessoas, inclusive policias se assim poderíamos chamá-los. Tudo isto, na época, foi comentado por pessoas que ficaram sabendo deste atentado contra a natureza que, infelizmente, ficou impune.

O tamanduá não é agressivo, mas sabe se defender. Não possui dentes, a sua boca é pequena e se alimentam de insetos, principalmente cupins e formigas. As suas "ferramentas" de trabalho, utilizadas para se alimentar, são as suas unhas e uma língua comprida. A língua do tamanduá-bandeira pode chegar a 50 cm , sendo impregnada por um líquido viscoso (saliva adesiva) , usado para prender (colar) os insetos. As patas dianteiras apresentam quatro dedos com unhas curvas e fortes. A unha do terceiro dedo pode ter 6,5cm de comprimento, sendo em forma de gancho e afiada nos dois lados, utilizada para abrir buraco nos cupinzeiros. O comprimento do animal, fora a cauda, chega a 1,30 metros e um peso de 18 a 25 Kg. A fêmea cria uma vez ao ano e carrega seu filhote nas costas.

Quando ameaçado fica sentado sobre as pernas traseiras, espera o ataque no peito, para dar um abraço, cravando as suas unhas nas costas do predador. Este abraço pode ser fatal ou mutila gravemente o inimigo.

Um "abraço de tamanduá", no sentido figurativo, indica aquela pessoa que nos cumprimenta com falsidade. Conta a história que um caipira vinha caminhando, à noite, e deu um abraço em um tamanduá, pensando ser seu compadre e foi correspondido e daí...

O DOM NÃO SE APRENDE NA ESCOLA

Os pais sempre falam aos seus filhos: "o estudo é o passaporte para o sucesso financeiro de uma pessoa". Esta afirmativa nem sempre é uma regra, pois existem exceções.

Todos nos conhecemos histórias de pessoas que sem estudo conseguiram fortunas. Para comprovar vamos analisar os currículos escolares de duas crianças, com desempenhos opostos e os seus respectivos sucessos profissionais. Os exemplos são verdadeiros, pois eu convivi com estas duas pessoas desde o período escolar até as suas vidas como adultos.

Uma delas chamada Cinho sempre foi o pior aluno da classe, terminando o período escolar com dificuldade, indo trabalhar como faxineiro em uma farmácia. O outro de nome Quinho foi sempre o melhor aluno, continuou seus estudos, tornando-se um excelente professor.

O Cinho, possuidor de uma qualidade inata para o comércio, em pouco tempo, transformou-se em um profissional muito competente. Abriu o seu próprio negócio e hoje possui uma rede de farmácias.

O Quinho prestou um concurso para professor e com os seus rendimentos mal conseguia equilibrar as despesas mensais da família. Aposentou e foi "agraciado" pelo governo com um salário indigno de um professor.

As pessoas talentosas para uma determinada atividade podem não apresentar nenhuma cultura, geralmente são inteligentes. Como, por exemplo, os jogadores de futebol, cantores, apresentadores de TV, etc.

Para exemplificar vejamos o seguinte. Em um curso de alfabetização de adultos o professor falou durante uma aula que o estudo iria proporcionar aos alunos um melhor salário.

Um aluno perguntou.

-- Quanto o senhor ganha?

-- Disse o professor.

--- Eu ganho CR$ 1500,00

-- Sem nenhum estudo estou ganhando CR$ 2000,00.

Na escola primária existem alunos inteligentes que terminam seus estudos com dificuldade, não sendo compreendidos pelos professores e pais. Estas crianças geralmente são tomadas como "vagabundos", não recebem a devida orientação e são castigadas.

O HOMEM DA CAPA PRETA

O fato a ser narrado ocorreu quando morávamos na Fazenda Experimental de Criação. Como Veterinário tinha o privilegio de morar em uma casa na sede da fazenda, afastada da colônia cerca de um quilômetro.

Por ocasião dos aniversários dos nossos filhos convidávamos os seus amigos, que moravam na colônia, para uma festinha.

Ao final de uma festa, na qual a minha filha Raquel estava comemorando quinze anos, já noite, os convidados saiam para ir embora, mas voltavam.

O que estava acontecendo? As meninas chegavam até certa altura da estrada e ficavam com medo. Um homem de preto estava parado junto ao caminho, como se fosse um mourão de cerca.

A Raquel veio me contar, todas estavam com muito medo. Eu tinha que enfrentar a situação, munido de um revolver e farolete, fui até o local. Lá estava o vulto todo de preto, ao clarear vi que era um homem e apontei o revolver.

A pessoa mais que depressa falou em voz alta.

-- Sou eu doutor.

-- Eu quem perguntei.

-- O Migue pai da Beta que está na festa, estou esperando por ela.

Eu nervoso e ao mesmo tempo com medo mandei que fosse embora e disse que aquilo não era atitude de homem, muito menos de um pai.

Os pais não devem deixar os seus filhos voltarem sozinhos, durante a noite, para casa, mas nunca ficarem escondidos, na tentativa de surpreendê-los em atitudes suspeitas.

DOURADOS

O dourado é um peixe de piracema, durante a reprodução machos e fêmeas nadam lado a lado, em trechos curtos do rio, de forma violenta e na dinâmica do rio. Na desova, chamada de "rodada", os gametas são eliminados na água do rio, ocorrendo a fecundação. Os ovos flutuam e descem, sendo levados para as águas marginais, formadas com as enchentes (lagoas), nascendo as larvas em 24h.

Em 1970 foram construídos cinco açudes na Fazenda Experimental de Criação. Nesta ocasião os açudes foram povoados por alevinos de diferentes espécies de peixes (tilápia, tucunaré, lambaris, piaus, e alguns poucos dourados). Os alevinos foram introduzidos e ninguém ficou sabendo sobre as espécies. A pesca era proibida, os peixes foram se desenvolvendo e procriando, menos os dourados, conforme explicado acima, que necessitam para a reprodução condições especiais.

Dois pescadores (Figueiredo e Custódio), moradores da fazenda, tinham pesqueiros escondidos em um dos açudes. Já haviam fisgados os dourados, mas nunca conseguiam pegá-los. Estes peixes são rápidos e saltam quando fisgados e geralmente soltam os anzóis.

Eles passavam por mentirosos e ninguém acreditava na existência de dourados no açude. Os pescadores foram aperfeiçoando os equipamentos até conseguirem pegar dois dourados, de mais menos 12 Kg, em dias diferentes.

O fato raríssimo deveria ser constatado por muitas pessoas, para que não fossem chamados de mentirosos. Os peixes foram levados, durante a noite, à minha casa para pudesse firmar a veracidade do fato.

Eu sempre negava a existência dos dourados no açude, para preservar e evitar a corrida de pescadores para pegá-los. Ao ver os peixes fiquei triste, havia chegado o fim dos dourados, muito embora eles não tivessem condições de procriação.

LAJOPA FALECIDO?

O meu genro José Francisco (Jé), minha filha Raquel e os filhos José Francisco Filho e Ana Maria começaram a freqüentar o Clube Náutico, na represa de Jurumirim, próximo à cidade de Avaré.

Após algum tempo resolveram ficar sócios do referido clube. Para passar os fins de semana compraram uma barraca e acampavam no clube. Os associados são pessoas que normalmente praticam esportes aquáticos. O clube possui um local para guardar os barcos, piscina, quadras de esporte, sede social e uma área de camping.

Eu e minha mulher Ângela Mara fomos conhecer o clube e pela primeira vez experimentamos dormir em uma barraca com colchão de ar e utilizar o banheiro coletivo. O local era muito agradável e a convivência com os nossos familiares superava, em muito, as dificuldades para tomar banho e fazer as necessidades, principalmente à noite.

Para completar o lazer o Jé resolveu comprar um barco. Era um veleiro grande, bonito, confortável, acomodação para seis pessoas e com cobertura. O barco foi adquirido de um sócio do clube, o agrônomo Adolfo Rugai.

Durante as negociações o Rugai perguntou o nome da minha filha.

-- Raquel Pacola.

O Rugai pensou um pouco e disse.

-- Eu estudei em São Manuel com um Pacola.

A Raquel respondeu.

-- O meu pai estudou em São Manuel.

-- Qual o nome dele, perguntou o Rugai.

-- Laércio.

-- O Laércio além de colega foi um grande amigo. Eu senti muito a sua morte. Disse o Rugai surpreso.

--- O meu pai estudou em São Manuel e não morreu. Ele mora em Sertãozinho e está vivinho da silva.

Para esclarecer o engano a Raquel pegou o celular e me ligou.

-- Uma pessoa quer falar com o senhor, o nome dele é Rugai.

--- Quem está falando? Perguntou perplexo o Rugai.

-- Aqui é Laércio Pacola seu colega e amigo, estudamos juntos em São Manuel, há mais ou menos 40 anos.

O Rugai confuso respondeu.

-- Não acredito você morreu há muito tempo, logo após ter ido embora de São Manuel.

-- Quem morreu foi um primo meu, o Dinho, que também havia estudado conosco na mesma época.

O Rugai disse.

-- Eu chorei quando você morreu, mandei até rezar uma missa. Só posso acreditar que houve uma reencarnação não acreditando no que estava acontecendo.

Conversamos um pouco e ele ficou convencido que realmente tratava-se de Laércio Pacola seu colega de científico.

Marcamos um encontro lá no clube, eu não via a hora de encontrar o velho amigo Rugai.

Através de uma coincidência que a vida nos apronta, iria colocar frente a frente dois grandes amigos, após tantos anos e com uma agravante ele pensava que eu havia morrido.

Não demorou muito tempo e o encontro estava marcado, no Clube Náutico. Ele já estava me esperando, cheguei com minha mulher. Um grande abraço emocionado e o Rugai com os olhos lacrimejando reencontrou um amigo que considerava morto.

O Rugai abraçou a minha mulher, falando.

-- Muito prazer em conhecê-la, ex- viúva do Laércio.

O TOMATINHO

Ao visitarmos a FIGRIFAM (Feira da Agricultura Familiar), em Agudos,SP, nos interessamos por um tomatinho que estava plantado em um vaso.

Tratava-se de um novo tomate trangênico, ainda não lançado no mercado, em fase final de pesquisa. Este novo tomate era de tamanho pequeno e que nos testes inicias apresentou possuir resistência a algumas doenças dos tomateiros.

Uma placa, colocada ao lado do vaso, explicava as características da nova planta, com um aviso para não mexer e que somente após os testes finais as sementes seriam colocadas a disposição dos interessados.

Com muito risco conseguimos apanhar um tomatinho, sem sermos vistos, escondendo-o em um copo de água. Logo após sairmos o responsável pela guarda dos vasos notou a falta de um dos tomates e deu o alarme.

A guarda foi chamada e um aviso foi dado pelo alto falante para que se alguém fosse visto portando um tomate deveria ser imediatamente denunciado. Não imaginávamos que o fato fosse tomar aquelas proporções e ficamos com medo de um possível escândalo e sermos taxados de ladrões.

As sementes daquele tomate não poderiam ser plantadas sem autorização fitossanitária. A situação era embaraçosa, se fossemos devolver o tomatinho o escândalo seria inevitável, como um pesquisador poderia ter tomado aquela altitude. Resolvemos esconder o tomatinho em uma sacola e fomos embora da feira.

Ao chegarmos em casa deixamos o tomatinho no copo encima da mesa. No dia seguinte a empregada ao arrumar a cozinha, guardou o tomatinho. Na hora do almoço ela comeu o tomatinho, sem nos avisar. Quando eu fui procurar o tomatinho para tirar as sementes não achando perguntei à empregada sobre o paradeiro do mesmo. Ela com a maior cara de pau disse que havia comido no almoço, achando uma delícia. A raiva foi grande, tive vontade de mandá-la embora.

O castigo veio, pois havíamos "furtado" um tomatinho para plantarmos. Até certo ponto foi bom a empregada ter comido o tomatinho, desta forma aquela nova variedade de tomate não foi disseminada sem a devida autorização.

Cabe aqui ressaltar que as plantas transgênicas, antes de serem devidamente testadas, podem apresentar características indesejáveis na alimentação do homem e também ao meio ambiente.

VACA ALONGADA

Em uma fazenda de criação de gado de corte, localizada no município de Sertãozinhho,SP, pertencente ao Governo do Estado, ocorreu um fato interessante.

Uma vaca da raça Nelore ficou alongada em uma capoeira. Os bovinos desta raça ficam sempre juntos, formam grupos e dificilmente segregam. A palavra alongar, na pecuária extensiva, significa fugir para o mato.

Ela permaneceu amuada sem beber água e comer, por um mês, ficando imóvel. Os campeiros utilizaram todas as técnicas disponíveis para retirá-la do local - cachorros, "quebra do rabo", bombinha, puxar pelo laço, etc. Quanto mais se mexia com ela menos movimentos apresentava, parecia estar fora de si, havia abandonado a vontade de viver. As esperanças de recuperar o animal haviam terminado, resolveu-se deixá-la ao sabor da sua própria sorte.

Quando menos se esperava foi encontrada junto com seu lote pastando normalmente, como se nada tivesse acontecido, saiu da capoeira por sua livre espontânea vontade. Como explicar as possíveis causas que a levaram ao completo isolamento do seu grupo.

Ela havia perdido as suas características instintivas de localização. Pelo comportamento supõe-se que houve algum problema de natureza neurológica reversível, pois ela voltou ao normal após alguns dias.

Pelo tempo de isolamento verifica-se que a vaca resistiu à falta de alimento e água. Este fato pode ser explicado pela capacidade que os ruminantes possuem em armazenar uma grande quantidade de alimento no rúmen e podem sobreviver à custa destas reservas por muitos dias.

CREDICES, SIMPATIAS E BENZEDUras

Eu como Veterinário, trabalhando no meio rural, ao atender um animal doente, ouvia das pessoas menos esclarecidas, que já haviam feito algum tratamento com base na superstição. O animal ficava com dois tratamentos o técnico por mim prescrito e um supersticioso. O animal sarava da doença, ficando a cura creditada para a benzedura ou simpatia praticada.

Pela internet conseguimos algumas definições para estes tipos de procedimentos.

Crendices- "Crendice é uma crença incongruente (inconveniente) e insólita (contraria as regras), gerada pelo medo doentio de pessoas que possuem religiosidade exaltada". "O sentimento religioso mal orientado pode produzir crendices, fanatismo e levar o, homem, até a sacrifícios humanos".

Benzeduras- "O benzimento é um poder que vem desde a Antiguidade e até hoje é usado com grande força para combater os males que afetam o ser humano".

Simpatias- "Simpatia é a maneira ritual de forçar poderes ocultos a satisfazerem a nossa vontade".

Em muitos casos estas atitudes são encaradas como verdadeiras ou benéficas, vejamos algumas:

Para combater caramujos- Jogar sal de cozinha sobre os caramujos para resolver as infestações deste molusco. Na verdade o sal vai desidratar o caramujo. Diante desta agressão o caramujo, antes de morrer vai expelir os ovos, que podem chegar a centenas, aumentando o problema. Outra medida só "para inglês ver" é jogar cal ao redor dos muros ou nos terrenos para combater os moluscos, geralmente as pessoas ficam contentes quando os proprietários tomam esta medida.

Benzer animais com bicheira:

Benzer os animais com miíases (bicheiras). No meio rural existem pessoas "dotadas" deste poder de curar os animais como as bicheiras. A benzedura pode ser feita por qualquer pessoa.

Caso queira experimentar a seguir damos um exemplo:

"Anda cá, anda cá,

Que o bicho vai morrer

Eu te talho e retalho,

Aranha, aranhão, cobra, cobrão,

Em louvor de S. Silvestre,

Que quanto faça

Tudo te preste,

Que vais para trás e

Para diante não".

Na verdade os bichos causadores das miíases caem ao solo, após completarem a fase larval. Portanto benzendo ou não as larvas vão deixar as feridas dos animais.

Cortar bambu na minguante:

Os agricultores geralmente cortam bambu para diferentes utilizações durante a fase da lua minguante.

Acreditam que os bambus cortados na minguante vão durar mais tempo em comparação aos cortados em outras fases da lua.

Não existe nenhuma comprovação de que os bambus cortados na minguante vão sofrer menos a ação do tempo. O que existe como certo é que os bambus devem ser cortados 40 dias após o período chuvoso, isto é, durante os meses de junho e julho, durante a seca.

Neste período do ano os vegetais diminuem o seu crescimento, desta forma vão apresentar uma menor taxa de carboidratos nos tecidos. O bambu com menor taxa de carboidratos e outros nutrientes vai sofrer um menor ataque de insetos e fungos, aumentando o seu tempo de utilização. Outro fator importante, além da época de corte, é que devem ser cortados bambus maduros, acima de quatro anos de idade.

NA LUA CHEIA NASCE MAIS BEZERROS?

Na crença popular ocorre um maior número de nascimentos de bezerros durante a lua cheia (plenilúnio). Esta afirmativa também é verificada no caso do nascimento de crianças.

Em defesa desta tese as pessoas utilizam o seguinte raciocínio: "se a lua é capaz de agir nas enormes massas de água dos oceanos, como ela não teria efeito sobre os líquidos no útero da mãe".

A física explica que as marés são devidas às forças de atração gravitacional da lua e do sol sobre a terra. Os oceanos apresentam uma grande massa e ocupam extensas áreas. Desta forma as massas oceânicas que estão mais próximas da lua sofrem uma aceleração de intensidade significativamente superior às massas oceânicas mais afastadas da lua. É este diferencial que provoca as alterações da altura das massas de água, ocorrendo as marés alta e baixa.

Nas luas nova e cheia, as forças gravitacionais do sol estão na mesma direção das da lua, produzindo marés mais altas. Nas luas minguante e crescente as forças gravitacionais do sol estão em direções diferentes das da lua , anulando parte delas, produzindo marés mais baixas. Não ocorrem marés em volumes de águas pequenos, como açudes, lagos, piscina ou em pequena bacia porque os distintos pontos destes reservatórios estão eqüidistantes da lua e do sol. Desta forma o líquido existente no útero materno não sofre efeito semelhante ao das marés.

Em trabalho publicado por SILVEIRA,F.L (2000).,do Instituto de Física da UFRGS, correlacionou 93.124 datas de nascimentos de crianças com o dia do mês lunar. Um teste de significância estatística permitiu concluir que as diferenças no número de nascimentos ao longo do mês lunar estão dentro dos limites atribuíveis ao acaso. Ou seja, não há nenhuma evidência nesses dados de que em algum dia do mês lunar nasçam mais ou menos bebês do que em outro, além das flutuações que podem ocorrer por mero acaso. O autor conclui que o estudo contradiz a alegação que em mudança de fase da lua aumenta o número de nascimentos. Serão verdadeiras as outras influências atribuídas à lua pela sabedoria popular?

O astrônomo George Abell (1979) dizia que esta crença não fazia sentido, já que gravitacionalmente falando o efeito de um mosquito ao passar perto de nós é superior à força gravitacional da lua sobre o nosso corpo. Por outro lado um carro ao passar à porta da maternidade tem uma força gravitacional superior sobre o corpo da mãe do que a lua naquele momento.

Em trabalho realizado por Zavala,A.A.Z. et al.(2009), do Departamento de Matemática da Universidade do Mato Grosso, analisando 267 datas de nascimentos de bezerros por três anos, concluíram que a fase da lua não influi significativamente no comportamento dos nascimentos dos bezerros. Os autores consultaram oito trabalhos sobre o assunto e todos eles chegaram a mesma conclusão: a estatística não compartilha com a tradição popular.

A lua cheia é a fase considerada pelos leigos como sendo responsável por uma maior porcentagem de nascimentos. Entre algumas pessoas que trabalham na zona rural ainda persiste a idéia de que na lua cheia nasçam um maior número de bezerros, sendo difícil remover este mito. Uma possível explicação seria que durante a lua cheia as pessoas podem ver as vacas parindo, devido uma maior claridade em relação às outras fases.

Pacola,L.J. (2010), em trabalho não publicado, analisou mais de cinco mil nascimentos de bezerros em Sertãozinho e, também, não verificou nenhuma diferença significativa entre os nascimentos nas diferentes fases. Pelos resultados obtidos observa-se que o número de bezerros nascidos durante a lua cheia foi menor do que na minguante. A lua cheia é a fase considerada pelos leigos como sendo responsável por uma maior porcentagem de nascimentos, fato este não confirmado neste trabalho. Entre algumas pessoas que trabalham na zona rural ainda persiste a idéia de que na lua cheia nasce um maior número de bezerros, sendo difícil remover este mito. Uma possível explicação seria que durante a lua cheia as pessoas podem ver as vacas parindo, devido uma maior claridade em relação às outras fases.

A VOCAÇÃO DO LAJOPA

A vocação para qualquer tipo de trabalho, esporte ou arte, vai sendo formada ou surgindo naturalmente nas pessoas ainda na infância. O modo de vida dos pais, acontecimentos importantes, fatores genéticos, influências recebidas nas escolas ou deslumbramentos apaixonados por ídolos são as principais causas da vocação.

No meu caso eu não tive dúvidas que deveria estudar veterinária. Assim vamos analisar alguns fatos que seguramente influenciaram nesta minha escolha.

A minha infância foi vivida no meio rural, em contato com animais domésticos, com os cachorros, vacas, porcos, galinhas e com os bichos silvestres.

Nós tínhamos um cachorro da raça Fox (Biriba), que foi violentamente ferido em uma briga com outro cachorro, um pastor. O cachorrinho veio a morrer, ele era como se fosse da família. Na época não havia Veterinário na cidade, senti muita pena em ver o sofrimento do cão, não podendo fazer nada para salvá-lo da morte.

Eu gostava de acompanhar o abate de suínos, era uma prática habitual. Na hora do abate o meu pai mandava que eu ficasse longe, dava um jeitinho e ficava olhando escondido. Após ia ajudar "pelar" o porco com água fervendo, separar a vísceras e lavar as tripas no córrego.

O meu pai tinha uma criação de porcos, ajudava no trato dos animais e acompanhava o chamado "veterinário" durante a castração. Quando algum porco apresentava bicheira, após o ferimento da castração, o meu pai mandava que eu fosse até a casa do meu tio Ângelo e falasse simplesmente que um porco ou mais estavam com bicheira. Ele benzia os animais mesmo à distância, e estes ficavam curados, não conseguia entender este poder. Para maiores detalhes sobre esta benzedura vide "Poder para Curar Bicheiras", escrito por LaJoPa, em Credices.

Ia regularmente ao matadouro municipal ver o abate dos bovinos e suínos e ficava impressionado com a quantidade de vermes achados no intestino dos porcos.

Acompanhei os momentos agonizantes de um cachorrinho que havia se envenenado, por morder um sapo, e não pude fazer nada para curá-lo.

Uma vaca de leite (Mancinha), de nossa propriedade, morreu asfixiada após ingerir uma espiga de milho inteira que obstruiu a saída dos gases do rúmen. Ajudei de forma desesperada para retirar a espiga do esôfago da vaca, mas não conseguimos.

Um vira lata apareceu na mercearia do meu pai com o focinho e boca cheios de espinhos de ouriço. O cachorro veio pedir ajuda, eu e meu pai com um alicate retiramos todos os espinhos, ele deixou sem reclamar, após foi embora. Fiquei impressionado com o comportamento do cão.

Ainda na adolescência tinha uma criação de porquinhos-da-índia, que ficava na Vila Mamedina, perto da "Chacrinha do Luiz". Quando precisava de algum animalzinho para experiência ia buscá-los. Fazia experiência com chás de plantas para observar os possíveis efeitos tóxicos.

Desta forma fui desenvolvendo a minha vocação e durante o curso, chamado antigamente de científico, já tinha a minha escolha consolidada a Medicina Veterinária.

Terminado o curso secundário fui morar com minha irmã Claudette em São Paulo. A única faculdade de Veterinária existente era em São Paulo, USP e após um ano de cursinho prestei o vestibular e para minha felicidade fui aprovado.

PADRE ASSASSINADO

O fato ocorreu na atual Fazenda Experimental de Criação (FEC), pertencente ao Governo do Estado de São Paulo, situada no município de Sertãozinho, SP. Na época da ocorrência, fim do século dezoito, a FEC era de propriedade particular.

As fazendas eram grandes, as matas iam sendo derrubadas para o plantio de café. A mão de obra utilizada para os tratos culturais dos cafezais era composta exclusivamente de escravos vindos da África.

Até hoje existem resquícios daquela época como uma tulha e um casarão transformado em hospedaria para as pessoas que visitam a FEC. Como nos sabemos os escravos viviam em condições subumanas e muitas vezes torturados. Para poder cultuar a sua religião os africanos utilizavam nas suas orações alguns santos católicos, desta forma agradavam os seus patrões e os padres.

Os moradores antigos da FEC contavam que um padre foi morto na fazenda. O local foi em um caminho ladeado de eucaliptos de grande porte, subindo em direção ao antigo aprisco. Os motivos nunca ficaram claros. Alguns diziam que foi a interferência do padre sobre a forma cruel do capataz da fazenda ao tratar os colonos. Outra versão do assassinato do padre é a de que este defendia os posseiros que existiam nas terras dos fazendeiros e que desenvolviam pequenas lavouras de subsistência. Se a morte foi realmente por estes motivos, o padre foi um defensor dos posseiros, a exemplo da madre, com uma diferença antigamente não havia televisão para registrar e divulgar os acontecimentos.

Na época em que ocorreu este possível fato, existia um matador, de nome Dioguinho, que "trabalhava" para os fazendeiros e também era acobertado por estes. No livro "Dioguinho o matador de punhos de renda", existe uma citação de que o Dioguinho assassinou duas pessoas na região de Jaboticabal. A hipótese de que o padre foi morto por ele não pode ser descartada. Mas na verdade não existem provas e sim muita ficção e mentiras que foram sendo acumuladas no transcorrer do tempo.

Quem realmente matou o padre? Se é pura ficção? A resposta a estas perguntas é um desafio para quem gosta de pesquisa.

A SUCURI E O FUSCA

Um guarda florestal, de nome Arnaldo, responsável pelas reservas naturais da FEC, encontrou uma rede no Rio da Onça. Ao puxar a rede estava enroscada e morta uma cobra sucuri muito grande.

Para levá-la à sede da fazenda, ele amarrou a cabeça da cobra no pára-choque da frente do fusca. O corpo ficou em cima da capota e o rabo ia arrastando atrás no chão.

O fato foi comprovado por muita gente. O meu filho André tirou uma foto para documentar o tamanho da cobra, como foi achada e a forma como foi conduzida.

Quando conto esta história, as pessoas me olham desconfiadas, pensando em mais uma mentira.

Em uma festa de aniversário de um amigo, após alguns goles, começaram a contar mentiras. Uma era pior do que a outra.

Para não ficar atrás contei a história da sucuri e o fusca, aumentando um pouco. Acrescentei que o rabo da cobra, ao arrastar no chão, ia limpando e nivelando a estrada. O rabo era tão grande e pesado que ao balançar atrás do fusca fazia o serviço de uma motoniveladoura.

Dentre todas as mentiras contadas esta da sucuri foi a melhor. Até hoje quando encontro com amigos eles pedem para que eu conte a mentira.

INVASÃO DE GUERRILHEIROS

O fato ocorreu na Fazenda Experimental de Criação (FEC), município de Sertãozinho,SP, que possui 300 alqueires de matas nativas preservadas e 700 alqueires em pastagens.

Quando cheguei para trabalhar na FEC, em 1969, havia um boato de que um grupo de guerrilheiros iria invadir e se estabelecer nas matas da fazenda.

Após a revolução militar de 1964 alguns grupos de guerrilheiros estavam se formando sob a liderança de políticos da região.

Para verificar a veracidade do boato, (invasão das reservas florestais), fui convocado pelo diretor da FEC para patrulhar as matas.

Eu e mais um campeiro saíamos a cavalo verificando todas as matas e cercas, nada encontrando de anormal.

A minha função na verdade não era aquela de policial e sim de veterinário. Como havia servido o Exército, no 17º Regimento de Cavalaria de Pirassununga, dando baixa como 1º Tenente, o diretor achou que eu seria o mais indicado para tal tarefa.

Esta preocupação, de uma invasão das reservas florestais, fazia sentido, pois lideranças políticas de Sertãozinho davam trabalho ao serviço de inteligência do Exército. Faziam declarações contra os militares e incitavam o povo a se rebelar contra o regime. Desta forma surgiu o boato de que guerrilheiros iriam invadir as matas da FEC.

Após trinta anos encontrei um sargento que havia servido o Exército na mesma época que eu. Em conversa com ele disse que morava em Sertãozinho e prontamente falou ter investigado as atitudes de certos líderes, durante o período militar.

Muito embora eu nunca tivesse tomado partido político, fui perseguido por pessoas de esquerda, simplesmente por ter sido um oficial do Exército Brasileiro, com muito orgulho.

LAJOPA TUPAMARO?

No ano de 1971 fui convidado pela Diretoria da Divisão de Gado de Corte, do Instituto de Zootecnia, para participar de uma viagem de estudos no Rio Grande do Sul.

Uma caravana de oito técnicos partiu de São Paulo, em dois carros. O grupo de técnicos, pesquisadores na área de gado de corte, era composta dos seguintes técnicos: Tundisi (Diretor), Cunha (São José do Rio Preto), Barbosa (Andradina), Pacola (Sertãozinho), Montagnini (São Paulo), Delcacio (Nova Odessa), Roverso (São Paulo) e Nascimento (São Paulo).

Pernoitamos em Blumenau e no dia seguinte chegamos a Porto Alegre, onde fomos recebidos pelos nossos colegas gaúchos.

Um roteiro de viagem pelo interior do Estado foi organizado de tal forma que pudéssemos conhecer as principais regiões de criação de gado de corte. Em cada região éramos recebidos cordialmente e de forma hospitaleira, ficando nas pensões das fazendas experimentais.

Desta forma tínhamos uma alimentação de graça, invariavelmente um churrasco de vitela ou cordeiro. De manhã um bom café, leite, pão e queijo. Um salaminho gaucho sempre fazia parte do café da manhã, até hoje eu não o dispenso do café.

Nos fizemos esta viagem no mês de setembro, portanto não preciso dizer do frio e do vento gelado vindo pampas gaúchos, chamado minuano.

De Porto Alegre viajamos 374 Km para a Fazenda Experimental de Criação, localizada no município de Bagé. Fomos recebidos pelo chefe da Estação o Dr. Hélio C. Severo. Esta fazenda chamada "Cinco Cruzes", tinha como trabalho experimental o cruzamento entre bovinos Nelore e Aberdeen Angus, que deu origem a raça sintética Ibagé.

A história que vou contar ocorreu enquanto estávamos hospedados nesta fazenda. Ela ficava distante da cidade de Bagé cerca de 10 Km . Ficamos nesta unidade experimental por dois dias, ouvindo dos técnicos explicações sobre os trabalhos experimentais ali desenvolvidos.

Para jantar íamos à cidade e voltávamos logo em seguida, pois além de cansados tínhamos que ir dormir para levantar cedo para um bom aproveitamento da nossa viagem.

Uma noite após o jantar quatro técnicos voltaram à fazenda em um dos carros, eu fiquei na cidade para voltar mais tarde. Como os colegas estavam demorando em voltar, resolvi pegar um taxi.

Quando menos esperava o motorista do taxi parou em frente à delegacia de polícia. Logo apareceram dois policiais e mandaram que descesse para ser identificado. Fiquei surpreso e com medo, mostrei os documentos e falei o que estava fazendo na cidade de Bagé.

Os policiais explicaram que todo taxi que fosse sair da cidade deveria passar antes pela delegacia.

Na época um grupo de guerrilheiros terroristas estava agindo na região. Os terroristas pertenciam ao Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros (MLN-T), que era uma organização de guerrilha urbana uruguaia.

As Forças Armadas do Uruguai combateram os Tupamaros de forma sangrenta e implacável e muitos membros desta organização refugiaram-se no Brasil, em particular na cidade de Bagé, próxima à fronteira.

Embora reconhecesse a preocupação das autoridades brasileiras eu não gostei daquela atitude de ter passado por um Tupamaro. Para expressar a minha indignação solicitei que o motorista do taxi também fosse identificado. Os agentes policiais deram risada e disseram que o motorista era um dos mais antigos da cidade e por demais conhecido. Após as desculpas dos policiais e do taxista fui levado à fazenda.

A viagem continuou pelos pampas gaúchos, região de muito gado bovino e ovinos. Passamos por Dom Predito seguindo até Uruguaiana, cidade próxima as divisas com Uruguai e Argentina. A volta ocorreu pelo interior do Rio Grande, passando por Santa Maria, Tupanciretã e Caxias. Pernoitamos em Lages, já em Santa Catarina e no dia seguinte seguimos para São Paulo.

URUBUS MORTOS

O fato que vou narrar ocorreu na Fazenda Experimental de Criação, do Governo do Estado de São Paulo, situada no município de Sertãozinho,SP. Esta fazenda possui uma área de 1000 alqueires, sendo 700 em pastagens e 300 em matas. Ela está localizada em uma região onde predomina a monocultura da cana-de-açúcar sendo a única com estas característica. Eu trabalhei e morei com minha família por trinta anos nesta fazenda.

Um domingo ouvi tiros, em uma colônia abandonada, perto de casa. Como responsável pela fazenda fui até o local, encontrando dois urubus mortos.

Dois rapazes estavam em cima de uma mangueira, com as espingardas encostadas no tronco. Peguei as armas e mandei que me acompanhassem até a sede da fazenda, para que fosse feita a ocorrência daquele grave crime ambiental, invasão de propriedade e porte ilegal de arma.

No meio do caminho, pressentindo as conseqüências futuras, ficaram um pouco para trás e pararam. Um deles estava com um cabinho de aço enrolado na mão, falando que haviam deixado as bicicletas escondidas na estrada e que não iriam me acompanhar.

Embora estivesse com as armas eu percebi que corria risco de ser dominado por eles, pois nunca iria atirar neles. Eu deixei que fossem embora e que para terem suas armas recuperadas deveriam me esperar na estrada.

De volta à fazenda solicitei ao fiscal (Pinga) e a um colega (Roberto) que me fizessem companhia até o local combinado. Lá chegando não encontramos os indivíduos, fugiram livrando-se de um processo. As armas foram apreendidas e descarregadas e nunca foram reclamadas pelos donos, ficando penduradas nas paredes do escritório como adornos e lembrança deste fato.

SÓ "PARA INGLES VER"

A expressão "para inglês ver" tem origem no Período Regencial da história brasileira. O Regente Feijó administrava o Brasil em razão de que o príncipe Dom Pedro II era menor.

Sob pressão da Inglaterra o Regente Feijó promulgou uma lei, em 1831, que declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros desde aquele ano.

A população achava que a lei não seria cumprida e que a lei era só "para inglês ver".

Outros acreditam que a expressão teve como origem durante a visita da Rainha da Inglaterra ao Brasil. Para impressionar a Rainha o governo mandou limpar e tirar todos os mendigos das ruas por onde ela passaria.

A expressão passou a significar as leis que só existem no papel, ou qualquer outra coisa feita apenas para preservar as aparências.

A expressão "para inglês ver" é utilizada quando se toma uma medida paliativa, ou na linguagem popular "de fachada", para resolver um determinado problema ou situação.

As pessoas "beneficiadas" geralmente ficam satisfeitas, mas o problema não foi resolvido definitivamente. Este modo de agir é utilizado com freqüência pelos políticos, enganando a população.

LAJOPA NO EXÉRCITO

A convocação

Logo depois de formado em Veterinária fui obrigado a servir o Exército. A partir de 1964 as Forças Armadas convocavam Médicos, Dentistas e Veterinários recém formados. Esta prestação de serviço recaia sobre os dispensados aos dezoitos anos de idade. A chamada "Ditadura Militar" procurava suprir a falta destes profissionais em suas fileiras.

A seleção tinha como critério a idade. Os mais jovens eram os escolhidos. Em 1968, quando me formei, eram cinco vagas para Veterinários. Com este critério eu estava fora da convocação. Alguns colegas mais novos do que eu conseguiram dispensa. Desta forma, na verdade, fui surpreendido pela convocação. Mesmo antes de formar já tinha proposta de emprego.

Os convocados deveriam se apresentar para os exames médicos. Uma reunião foi marcada para as primeiras instruções. Para tal um Coronel da 2ª Região Militar foi designado. O nome deste oficial era Cezarotti. O seu nome era-me familiar, tinha um tio com este sobrenome. Com algum receio perguntei se eram parentes. Para minha surpresa eles eram primos. Vislumbrei uma tênue possibilidade de ser dispensado. O Cel. Cezarotti percebeu minha intenção e desconversou. Ele aproveitou esta situação e diante de todos os convocados me apresentou como seu parente. Desta forma demonstrava não haver dispensa por apadrinhamento. A sua atitude vinha demonstrar a imparcialidade nas convocações. Escreveu um cartão me recomendando a um seu amigo, na Unidade onde deveria servir. Era um capitão de nome Nelson Gonçalves. No cartão solicitava uma atenção especial à minha pessoa, pois se tratava de um seu parente.

Como ser um militar

Antes de seguirmos para as unidades deveríamos receber um mínimo de instrução militar. Era chamado de estágio de instrução. Para tanto fizemos um estágio no Batalhão de Saúde, localizado no bairro Cambuci, em São Paulo. Nos meses de janeiro e fevereiro de 1968, tivemos aulas teóricas e práticas. No início não podíamos usar farda. Deveríamos, antes de tudo, aprender como usá-la e comportar-se em público como militar. Aprendemos ordem unida, como fazer continência, apresentar-se a um superior e decorar o Hino Nacional. Aulas teóricas sobre hierarquia e sobre as Forças Armadas. A primeira coisa solicitada foi cortar o cabelo de forma regulamentar.

Treinamento com Arma

As aulas de tiro foram dadas no 4º Regimento de Infantaria em Quintauna, Osasco. Um capitão de nome Carlos Lamarca foi designado para este treinamento. Ele era considerado um dos melhores atiradores do Regimento. Em 24 de janeiro de 1969 fiquei sabendo que este capitão havia roubado armas do quartel. Levou em sua Kombi 63 fuzis FAL, três metralhadoras INA e munições. Desertou o Exército e tornou-se um guerrilheiro comunista. Foi o comandante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Lamarca foi condenado por traição e deserção do Exército Brasileiro. Foi morto em um tiroteio que teve com os militares. A emboscada foi comandada pelo major Cerqueira, em 17/09/1971. Apesar de ter cometido uma série de atentados contra as Forças Armadas, a sua família recebe um soldo. Na cidade de Ipupiara, Bahia, local da morte, tem uma estatua de Lamarca.

Outra passagem interessante ocorreu durante uma aula sobre armamento. Deveríamos aprender desmontar e montar uma pistola, calibre 45. O nosso colega Buff perdeu uma mola da arma. O fato era grave. A arma iria ficar inutilizada. Como uma mola pode desaparecer de uma sala? O instrutor ficou numa situação complicada. A mola saltou pela janela? Procuramos desesperadamente e não a encontramos. O instrutor mandou que todos tirassem a roupa. Para nossa surpresa a mola estava alojada na barra da calça do Buff. O instrutor respirou aliviado.

O roubo

Os nossos pertences foram roubados. Não acreditávamos. Como isto poderia acontecer no Exército. Ao chegarmos, de manhã, trocávamos de roupa em uma sala. A porta deste vestiário não tinha chave. Após os treinamentos notamos a falta de sapatos, carteiras, relógios, etc. No meu caso levaram uma capa italiana, presente de minha irmã. Imediatamente levamos o fato ao conhecimento ao nosso superior. Uma reunião foi marcada. O Comandante sem meias palavras disse. -- Vocês são os culpados, lamentamos e vamos apurar os fatos. Para explicar a nossa culpa, argumentou. -- Vocês deveriam ter comunicado que o vestiário não oferecia segurança. Não estávamos entendendo, ele explicou. --- A obrigação de um militar é denunciar qualquer irregularidade. Desta forma evitamos conseqüências piores. Encerrando a reunião disse. -- Que este roubo sirva de exemplo. No Exército nos devemos confiar, mas sempre desconfiando. O ocorrido não foi esclarecido. Um inquérito poderia comprometer a carreira dos envolvidos.

Remuneração

Nos tínhamos direito a um soldo. Soldo é o termo utilizado para dizer salário. Todos deveriam abrir uma conta no Banco do Brasil. O primeiro dinheiro foi para comprar os uniformes. Os uniformes solicitados foram o 5º(passeio), 7º(Instrução) e 9º(Educação física). Ainda comprei bota da cavalaria, boné com armação, capote e luvas. Na cavalaria o uso de esporas é obrigatório. O Coronel viu que estava sem esporas. Gentilmente emprestou-me um par, por sinal de prata. A espada deveria ser usada nas comemorações. Não precisei comprar um capitão emprestou-me. Após um mês recebi o primeiro soldo. Era correspondente ao posto de aspirante a oficial. Após seis meses fui promovido a 2ºTen. Ao término do estágio fui promovido ao posto de 1º tenente (1ºTen/R2/Vet). O soldo era corrigido com as promoções. Para o deslocamento até a Unidade de prestação de serviço, recebi uma ajuda de custo. Como tinha formação universitária ingressei no Exército como oficial.

Unidade de Trabalho

Fui designado para o 17º Regimento de Cavalaria, em Pirassununga,SP. A unidade era considerada corpo de tropa. Deveria estar sempre pronta para intervir. Como era o início da Revolução Militar, a tropa ficava regularmente em prontidão. Todos deveriam ficar uniformizados, armados e prontos para um eventual deslocamento. Várias vezes ficamos de prontidão. Felizmente nunca houve necessidade de deslocamento. O Regimento possuía 270 cavalos. Os soldados cuidavam e faziam treinamento montados nos cavalos. Para o rápido deslocamento da tropa o Regimento possuía caminhões. O quartel tinha uma granja. Nesta criava-se frangos e suínos e uma horta. Os produtos da granja eram destinados à alimentação dos militares. O quartel deveria ter, obrigatoriamente, um veterinário. O veterinário tinha como obrigação cuidar da cavalhada, da granja e fazer inspeção dos alimentos. O Quartel tinha um veterinário o 1ºTen Sobrinho. Ao chegar fiquei responsável pela granja. Após seis meses o Ten Sobrinho foi transferido. Eu fique como responsável pelo Serviço Veterinário.

LaJoPa Porta-Bandeira

Na escola aprendi ordem unida. Tinha um bom porte físico. Marchava à frente do Pelotão de Comando. O coronel não teve dúvidas o Pacola vai ser porta - bandeira. Na verdade eu não gostei desta responsabilidade. Como eu não era um oficial de carreira não achava justo tal distinção. Deveria desfilar a frente da tropa em todos os eventos. A guarda da Bandeira era composta de cinco sargentos e eu no centro. Treinávamos exaustivamente. A marcha deveria ser impecável. No desfile de sete de Setembro a Bandeira deveria sair a cavalo. Andava a cavalo pelo Quartel. Mas não tinha preparo suficiente para desfilar a cavalo, levando a Bandeira. Os cavalos que compunham a escolta eram os maiores e ligeiros. Fiquei com medo de fazer um vexame. Solicitei ao Comando que me dispensasse de tal tarefa. Felizmente fui atendido. Pelo exposto pode-se verificar que fui Porta - Bandeira no Exército e não no carnaval.

Segura Pacola

Ao término de um evento. Como 2ºTen vinha marchando a frente do Pelotão de Comando. Era assim chamado porque era formado por militares de serviço. Como exemplo: corpo de saúde, burocracia, corpo de veterinária, rancho (alimentação), mecânica, etc. Este estava sob o comando Cap Nelson. O Capitão vinha ao lado do pelotão. O vento fechou um portão por onde o pelotão ia passar. O Cap ordenou "segura Pacola". Não tive dúvida sai da formação e fui segurar o portão. Esperei o pelotão passar e voltei para o meu posto. Ao chegarmos ao Quartel, o Cap veio rindo para o meu lado, falando. - Eu ordenei para que você parasse e não para segurar o portão. Fui alvo de gozação por muito tempo. Na verdade o erro foi do Cap. O comando deveria ser "Pelotão Marcar Passo".

Bolada no olho

Pela manhã educação física. Na verdade era futesal. O Ten Cel Lara era o responsável. Ele era alucinado por futebol. O time dele sempre ganhava. Usava do seu posto de Cel para tanto. O jogo só terminava após estar vencendo. Tinha duas personalidades. O jogo para ele era uma batalha. Após era uma pessoa calma e amiga.

Em um jogo recebi uma bolada no olho esquerdo. O Ten Fonseca chutou a bola de sem-pulo. A bola subiu e atingiu o meu olho. O impacto foi tão forte que cai. O médico mandou-me para um oftalmologista. Eu lembrei que tinha um primo oftalmologista. Ele era de Ribeirão Preto. O Comando do Quartel colocou a minha disposição uma viatura para a viagem. O Ten Almeida, meu amigo, se prontificou para me acompanhar. Para viajar deveríamos estar fardados. Chegamos a Ribeirão Preto às dezoitos horas. Fui procurar o meu primo em sua casa. Eu não o conhecia. A sua mulher Vera me atendeu. Ficou assustada ao ver uma viatura do Exército. Inicialmente me identifiquei, dizendo do meu parentesco com o Dr. Virgílio. Expliquei o que estava acontecendo. Ela imediatamente foi chamar o Virgílio. Mandou que fosse para a Santa Casa que iria em seguida. Ao me examinar constatou uma hemorragia importante. Diagnóstico inicial uma uveite, não descartou a possibilidade de deslocamento de retina. Deu uma injeção no meu olho, fiquei com medo. Passou o tratamento e marcou o retorno. Não estava enxergando nada com olho, pensei em ficar cego. Felizmente, no dia seguinte, ao tirar o tampão para pingar o colírio notei que estava enxergando um pequeno clarão. Após alguns dias já estava bom. O Virgílio não quis cobrar o tratamento. Disse que o Exército iria pagar tudo e assim foi feito.

A baixa

O meu estágio estava no fim. Antes de terminar recebi um convite. Continuar no Exército. Para tanto deveria ir para a Escola de Veterinária do Exército. Fiquei na dúvida. Não aceitei. No dia da baixa fiquei triste. Em um ano ganhei um bom dinheiro. Não tinha despesas. Morava no Quartel. A alimentação era boa. Não gastava com roupas de serviço. Acabei comprando um fusca. Fiquei dois meses sem emprego. Após o Exército fui trabalhar na Cooperativa de Leite de Bragança Paulista.


O bezerro saltador

Um bezerro Nelore, de quatro meses de idade, foi encontrado deitado no pasto. Os campeiros fizeram de tudo para que levantasse. Ele, aparentemente, não apresentava sinais de lesões graves ou de doenças.

Para que o bezerro fosse atendido convenientemente foi conduzido de caminhonete até a sede da fazenda. A condução parou no escritório para chamar o veterinário. Neste momento ouviu-se um barulho. O bezerro havia pulado por cima da cabine. Com muita destreza voltou para o pasto, ao encontro de sua mãe, atravessando várias cercas.

Como poderíamos explicar, à luz da ciência, tal atitude. Ele havia mamado bastante, sonolento deitou, diante da nossa presença resolveu ficar imóvel, na tentativa de não ser visto. Na prática observa-se que muitos bezerros ficam deitados , como se escondidos, enquanto sua mãe sai para pastar.

A vaca deixa o seu bezerro, mas sabe perfeitamente o local onde está. Alguns animais ao serem surpreendidos por supostos predadores ficam imóveis, na tentativa de não serem vistos.

Em meu sítio presenciei uma situação semelhante. Um lagarto teiú ficou agachado e imóvel na presença do cachorro. Este em disparada passou do lado do teiú e não o viu, em seguida saiu correndo. Esta parecer ser a hipótese mais razoável para explicar a total indiferença do bezerro diante da presença dos campeiros


AS COBRAS

A FEC com seus 840 ha de matas se constitui em um paraíso para os animais. Dentre eles se destacam as cobras. Durante os 30 anos que morei nesta fazenda, tive o capricho de fazer uma coleção de cobras.

Os colonos, no seu trabalho diário, as encontravam e me traziam. Elas eram colocadas em vidros grandes com álcool. Em pouco tempo tinha em meu escritório as seguintes cobras: As venenosas- Cascavel, Urutu, Jararaca, Coral, Jararacuçu, Não venenosas- Boipeva, Dormideira, Verde, Cipó, Mogiana, Jibóia, Falsa coral.

Eu as identificava e colocava uma etiqueta nos vidros. A coleção era solicitada por escolas e usinas para cursos sobre acidentes ofídicos. Muitas pessoas tinham medo de entrar em minha sala.

Cabe aqui lembrar que a FEC mandava cobras para o Butantã, em caixas próprias. Em troca eles mandavam soros antiofídicos contra cascavel, grupo das jararacas e polivalentes. Estes soros ficavam em geladeira e eram utilizados para salvar da morte os animais.

Os acidentes ofídicos em pessoas, na FEC, aconteciam até com certa freqüência. Durante os anos que lá morei, tive a oportunidade de presenciar alguns casos. As pessoas eram imediatamente enviadas ao Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto. Felizmente todas foram salvas.

Um urutu picou uma jovem, nossa amiga, de nome Adriana, filha de um funcionário. Ela estava pescando em um açude quando, em um primeiro momento, pensou ter sido ferida por um espinho. Mas era uma urutu criada que a havia mordido. Foi levada imediatamente ao hospital, junto com a cobra morta. Recebeu o soro específico, ficou em observação por algum tempo e voltou para casa.

Outro caso foi o do fiscal João picado por uma cascavel. Ele estava, sem perneira, em uma roça de milho, quando foi acidentado. Felizmente um tratorista estava próximo e ouviu os gritos de socorro. Foi levado ao hospital e segundo ele não recebeu soro. Achei estranho, mas na verdade o antídoto foi admistrado junto com o soro normal. Voltou no mesmo dia para casa. Fui fazer uma visita a ele, verifique os sinais típicos que o veneno de cascavel provoca nas pessoas. Elas apresentam uma queda das pálpebras e ao fazerem força para mantê-las abertas ficam com a fisionomia parecidas com uma pessoa alcoolizada.

Em um curso que fiz sobre animais peçonhentos, em Belo Horizonte, perguntei ao palestrante.

----- Qual seria o melhor lugar para que uma pessoa picada de cobra devesse ser enviada para tratamento? A resposta do pesquisador do Instituto Butantã foi imediata.

------ Eu gostaria de ser atendida no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Este hospital possui médicos altamente especializados no tratamento destes acidentes.

RELATOS

BUFALINHO SEM SORTE

Um bezerro búfalo morreu enroscado, pelo pescoço, no chifre da mãe. A vaca na tentativa de soltar o bezerro balançava a cabeça, desta forma a morte foi inevitável. Para tirar o bezerro foi preciso levar a vaca ao curral. Os bubalinos da raça Jafarabadi apresentam chifres longos, dirigidos para baixo e para trás, com a ponta voltada para cima, formando um alça.

BUFALINHO AFOGADO

Um bezerro búfalo de uma semana de idade entrou no açude acompanhando sua mãe e estava se afogando, a vaca com muita calma empurrou-o até a margem, evitando a sua morte.

Touro Atolado

Um touro, de nome Neiru, da raça Guzerá, morreu atolado no brejo do Rio da Onça. O reprodutor havia sumido e não havia notícia do seu paradeiro. Após meses o funcionário Custódio da FEC, foi pescar e achou o animal completamente atolado. No período da seca os bovinos procuram capim verde nas margens dos rios, o touro atolou e não conseguiu sair do brejo.

ARREMATE DE TOURO

Durante um leilão na FEC, um funcionário, chamado Lê, gostava de beber, estando um pouco "alto", levantou a mão de forma involuntária e o leiloeiro que não o conhecia considerou o gesto como sendo um lance. Na hora de assinar o termo de compra, instalou-se uma confusão. O leiloeiro foi informado e a compra desconsiderada, o animal voltou à pista para ser vendido novamente.

VACA AZARADA

Uma vaca da raça Gir foi encontrada morta com uma das mãos enroscada no seu próprio chifre. Os animais desta raça apresentam chifres grossos na base, saindo para baixo e para trás. A preferência são os que se dirigem um pouco para cima, encurvando-se para dentro, com as pontas convergentes. Os bovinos ao levantar ficam inicialmente com membros anteriores dobrados para trás (de joelhos), levantado o corpo através dos membros posteriores. Possivelmente ao levantar uma das mãos ficou laçada no chifre, causando fratura da coluna cervical.

ROUBO DE GARROTE

Um garrote da raça Santa Gertrudis, de propriedade particular (Atalla), participante da prova de ganho em peso, na FEC, desapareceu de forma inexplicável do confinamento.

Diariamente, na parte da manhã, os animais são inspecionados pelos campeiros, a porteira estava fechada e não havia cerca quebrada. A falta do animal foi notada durante a pesagem de rotina. Uma busca por toda a fazenda foi feita, não havia sinal do animal.

Um boletim de ocorrência foi feito, a única hipótese do desaparecimento seria de roubo. Uma carta foi endereçada ao fazendeiro explicando o fato e colocando a disposição um garrote do Governo para ressarcir o prejuízo. O proprietário não aceitou a oferta, isentando a FEC pelo ocorrido.

GUARÁ NO LAÇO

Um lobo estava comendo as galinhas do João Sperança (Pinga). Ele armou um laço por onde o animal entrava no galinheiro, após alguns dias pela manhã viu o guará preso no laço.

Para evitar mordida um pau foi amarrado na boca. O fato nos foi comunicado e resolvemos pela sua soltura. Algumas pessoas eram favoráveis pelo sacrifício. Quando livre das cordas, atordoado, foi se alojar em um aprisco, dando muito trabalho para conduzi-lo ao mato.

TRAIRÃO

O funcionário da FEC, Lúcio Furtado, afirmava ter visto no açude uma traíra muito grande, de mais ou menos 13 Kg. O fato foi considerado como mentira de pescador.

Para rebater a mentira solicitei que nos avisasse imediatamente caso o peixe fosse pego. Desta forma o nível da água do açude iria baixar, assim poderíamos fazer alguns reparos no ladrão do açude. Esta variedade de traíra grande é chamada de trairão e nos sabíamos da sua existência, pois foram colocados no açude alevinos deste peixe. Até então só existiam traíras comuns que nunca atingem aquele peso, em trinta anos não tivemos notícia de que o trairão foi pescado.

BOLA FURADA

Durante um jogo de futebol na FEC, um mau elemento furou com uma faca a bola do jogo. A bola havia sido doada por um político. Todos ficaram com medo do indivíduo, o jogo parou. O fato nos foi comunicado, não tive dúvidas é um caso de polícia, os guardas o levaram preso, o jogo continuou com uma bola velha.

ACIDENTE

Dois guardas florestais que faziam patrulha na reserva florestal da FEC, morreram quando perderam a direção da caminhonete. Esta chocou-se em uma ponte em construção, sobre o rio Santa Gabriela (rio com nascente na FEC), na rodovia Sertãozinho-Barrinha.

AFOGAMENTO

Um jogador de bola, de Ribeirão Preto, morreu no açude da colônia São João, após o jogo entrou na água e não sabendo nadar afundou em uma vala, as tentativas de salva-lo foram em vão, os bombeiros foram chamados para retirar o corpo.

Fazenda Experimental de Criação ( F e c )

Com muito respeito e gratidão faço um pequeno histórico da FEC, sua primeira denominação. Hoje chamada de Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho. É um Centro de Pesquisa em Pecuária de Corte, unidade do Instituto de Zootecnia.

A FEC tem uma área total de 2.320 ha, sendo 840 ha em reservas florestais e 1051 ha em pastagens.

No livro "O Documentário Histórico de Sertãozinho, 1896-1956, encontramos os seguintes dados relativos a origem da FEC.

A FEC foi fundada em 1928, no governo Júlio Prestes, sendo Secretário da Agricultura o Engº. Agr.º Fernado Costa.

Foi instalada inicialmente no município de Mogi- Guaçu, na Fazenda "Campinha", próxima a estação de Pádua Sales.

A FEC de Mogi-Guaçú foi transferida para Sertãozinho em 24/05/1933. Passou a funcionar na antiga Fazenda Santa Gabriela. Esta fazenda pertencia ao Governo do Estado de São Paulo. Na época era governador o Gel.Waldomiro de Lima e Secretário da Agricultura o Dr. Eugênio Lefèvre.

Proprietários da FEC:

1- A área onde é hoje a FEC fazia parte da Fazenda Boa Vista pertencente a Henrique Dumont (Rei do café I).

2- Padre Jonas, vigário de Rio Claro.

3- João Francisco de Paula Souza, que deu o nome de Fazenda Santa Gabriela, em homenagem a sua mulher Gabriela.

4- Cel. Francisco Schimidt, plantação de café. (Rei do café II).

5- Sra. Dona Clara Soares Camargo.

6- Governo do Estado de São Paulo.

Diretores da FEC :

1- Dr. Armando J. de Lima. Foi um dos primeiros. Desenvolveu um trabalho de saneamento, no combate à maleita.

2- Dr. Ademar de Lima Correia

3- Dr. Fausto Pereira Lima.

4- Dr. José do Nascimento.

5- Dr. Laércio José Pacola. Morou e trabalhou na FEC por 30 anos.

6- Dr. Leopoldo de Andrade Figueiredo.